A cidade e suas zonas de fronteira: as muitas faces de nossa urbanidade

11/02/2013 08:25

 

(Resumo do artigo apresentado no "1º Congresso de Direito Urbanístico - Repensando as Cidades" organizado pelo Grupo de Pesquisa Polos da Faculdade de Direito da UFMG)

 

Luciana Cristina de Souza [I]

Arlete Soares de Oliveira[II]

 

As relações sociais e econômicas imprimiram, desde as primeiras civilizações, suas marcas  no espaço urbano. A disposição urbanística tem refletido o sistema de classes sociais diferenciadas em cada época e a gestão desses espaços tem criado condições, por exemplo, para a administração e execução de obras de acordo com os interesses hierarquizadas desses grupos, atendendo muito mais às necessidades de parcelas mais privilegiadas. Assim, a cidade se tornou um espaço de intermediação das relações sociais em que a  resolução das questões  coletivas se expressa cotidianamente na disputa por políticas públicas de impacto local (nos bairros), como se expressa pelo Orçamento Participativo. E, ao longo da sua história, as cidades tanto desenvolveram novas formas urbanísticas que atendessem à vida dos indivíduos, como também formas de exclusão praticadas, muitas vezes, por meio de políticas de divisão de recursos e parcelamento do solo urbano.

A cidade no Brasil recente, in casu Belo Horizonte, tem denotado um claro processo de construção de fronteiras: entre o público (Estado) e os cidadãos; entre a zona sul e a “zona oeste” (expressão que acaba sendo utilizada em Belo Horizonte para indicar todos os bairros “fora” da área nobre); entre as mansões e os barracos, que dividem uma mesma área urbana; entre os Municípios da região metropolitana, em cujas fronteiras residem moradores frequentemente desatendidos com a escusa, de cada diferente Prefeitura, de não ter sobre aquele logradouro nenhuma responsabilidade. Esse é um dos casos mais graves, pois existem dezenas de ruas na região metropolitana em que os moradores recebem duas guias de IPTU para ser pago no início do ano, enquanto nenhum serviço público lhes é oferecido. Logo, a investigação sobre a relação do exercício da cidadania e a qualificação dos espaços públicos em Belo Horizonte encontra nesses  espaços de fronteira um obstáculo à democracia e às garantias asseguradas pela Constituição da República brasileira de 1988. A história de Belo Horizonte, já em seu desenho traçada para a ordem  e o progresso, mostra uma cidade marcada pela separação, que na verdade nasceu com a nova capital. Planejada para substituir Ouro Preto como capital da Província de Minas Gerais, no final do século XIX, buscava com seu desenho negar toda influência colonial portuguesa, ao mesmo tempo em que na sua implantação ordenada permitiu que o povoado do Curral Del Rey fosse arrasado para dar lugar ao novo modelo de urbanidade.

Os espaços planejados, portanto, já consistiam na divisão da cidade em que a Avenida do Contorno era o seu grande marco de fronteira. E a impossibilidade de ocupá-los levou outros segmentos da população às encostas mais íngremes, aos vales inundáveis (por exemplo, o Barro Preto) e às periferias mais distantes, o que também acentuou a estratificação social belo horizontina em razão da distância que esses indivíduos ficaram dos centros culturais, dos órgãos públicos, das escolas de maior qualidade, dos empregos melhor remunerados, etc.. O espaço privilegiado pelo capital teve consequência o adensamento populacional e a verticalização dos bairros mais próximos da área central, particularmente, concebidos dentro de uma lógica urbanística orgulhosa de seu desenho mais horizontal, tendo em vista que a pretendida modernidade do traçado urbanístico não se refletiu no traçado das políticas para a cidade como um conjunto. É preciso, então, ampliar as medidas de redução das distâncias provocadas pelo planejamento urbanístico de Belo Horizonte, quer sejam geográficas, sanadas pela criação de regionais administrativas e projetos culturais de apresentações descentralizadas, quer sejam intermunicipais, supridas em parte pela execução de políticas públicas compartilhadas, ou de natureza relacional, nas quais é preciso aproximar “vizinhos” tão diferentes.



[I] Doutoranda em Direito pela PUC Minas, Mestre em Sociologia Urbana pela UFMG, Especialista em Métodos e Técnicas de Elaboração de Projetos Sociais pela PUC Minas, Advogada, Docente da Faculdade Padre Arnaldo Janssen, Membro da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi)

[II] Graduanda do 5º período em Direito pela Faculdade Padre Arnaldo Janssen. Funcionária da Faculdade de Arquitetura da UFMG.

 

 

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