O mito de Narciso na era digital

06/11/2012 17:19

 

Entre as variadas lendas que falam sobre o jovem Narciso, filho da ninfa Liríope e ser de grande beleza, há um ponto em comum que as aproxima: Narciso morreu em razão de suas próprias atitudes. O mito trata da autoadmiração e da cegueira por ela provocada. Enquanto se preocupava em admirar a si mesmo, o jovem nada via do mundo real à sua volta. Cego por sua vaidade, não diferencia um mero reflexo do que é real, expõe a perigo a si mesmo e provoca a própria morte ao mergulhar no rio em que busca abraçar a própria imagem refletida. Mas o que este mito ensina hoje? Vivemos em um tempo de exposição, de “reflexos” espalhados por todos os cantos: redes sociais, celulares, blogs, vídeos no Youtube. Logo, precisamos com urgência refletir sobre o que estas imagens representam para cada um de nós e sobre o quanto o mito de Narciso continua vivo em nosso modo de agir, especialmente no meio digital. Muitos querem ser vistos, ouvidos, “curtidos” e “compartilhados” e medem seu sucesso pelo número de vezes em que isso acontece, não pela qualidade das relações humanas que desenvolvem com outras pessoas.

Para serem vistos nas redes sociais alguns comentem exageros e expõem a sua intimidade em níveis perigosos. E de nada tem adiantado os inúmeros alertas feitos pelas autoridades policiais, pois parece que a necessidade de que a imagem seja vista e admirada é mais forte e seduz a vaidade humana. Na atual Era Digital, Narcisos de várias faixas etárias e de renda ainda buscam cegamente ser admirados. No entanto, é preciso ter cuidado, pois nada se conhece sobre os observadores anônimos que circulam pela infovia e que têm acesso a estas informações e imagens. A maior parte dos crimes digitais – roubo de dados, uso indevido de imagens, desvio de dinheiro de contas correntes, páginas falsas (fakes) de venda de produtos, etc. – ocorre devido à super-exposição em que, muitas vezes, as pessoas se colocam na web. O Facebook, por exemplo, tornou-se um diário íntimo aberto ao público – o que é um paradoxo – no qual expressar a própria personalidade é uma necessidade intensamente vivida por algumas pessoas que nele fazem um boletim diário e detalhista de suas atividades diárias. Estas informações são replicadas em outras páginas e em questão de horas – se for preciso esperar tanto tempo – inúmeras pessoas que não te conhecem saberão o que você postou.

Além disso, as redes sociais têm servido para alguns como uma “terapia em grupo” feita no meio digital e sem qualquer supervisão profissional. Só que desabafar um problema com alguns amigos é bem diferente do que postar a última crise de depressão em detalhes na internet, ou a discussão com seu chefe, ou sua intimidade de casal. Por estas razões, muitas empresas, antes de contratarem profissionais, fazem uma visita a estes espaços virtuais para conhecerem melhor o futuro funcionário e ver qual uso ele faz desse espaço. E é nesse momento que muitos Narcisos dos dias atuais afundam no rio e prejudicam sua imagem pessoal e profissional por mera vaidade. Também deixam de perceber o mundo à sua volta, as pessoas que precisam de seu apoio real, próximo e humano. Nesse modelo egoísta, o que era para ser um excelente recurso de comunicação e de interação entre as pessoas pode vir a se transformar em um meio desagregador e alienante no qual não importa quem realmente somos, mas apenas o que a imagem refletida exibe de si mesma, regra geral, um reflexo vazio.

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