A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e suas Implicações para o Direito Brasileiro (SOUZA, Mércia Cardoso)

10/11/2010 11:57

O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos é encabeçado pela Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948, seguida pelos Pactos Internacionais de 1966 e pelas demais Convenções de Direitos Humanos. Com base nesses documentos, outros foram elaborados como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Convenção da Mulher ou CEDAW, sigla em inglês), que se constitui em tratado bastante recente, já que data de 1979. O seu texto não foi o primeiro que a ONU aprovou para tratar dos direitos da mulher, pois antes já existiam tratados referentes aos direitos da mulher casada, dos direitos civis e políticos e do tráfico de mulheres, entre outros temas. A CEDAW foi idealizada a partir de 1946, quando a Assembléia Geral da ONU instituiu a Comissão sobre o Status da Mulher (CSW, sigla em inglês) para estudar, analisar e criar recomendações que oferecessem subsídios à formulação de políticas aos diversos Estados signatários do referido tratado, vislumbrando o desenvolvimento das mulheres enquanto seres humanos.

 

A Comissão sobre o Status da Mulher, no período de 1949 a 1962, fez muitos estudos sobre a condição das mulheres no mundo, o que culminou na elaboração de vários documentos pela ONU, dentre os quais se podem mencionar: Convenção dos Direitos Políticos das Mulheres (1952), Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas (1957), Convenção sobre o Casamento por Consenso, Idade Mínima para Casamento e Registro de Casamentos (1962). Em 1967, a Comissão sobre o Status da Mulher se empenhou para elaborar a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que se constituiu em um instrumento legal de padrões internacionais que propunha direitos iguais para homens e mulheres, contudo não chegou a ser efetivada como tratado6, pois não estabeleceu obrigações aos Estados signatários. A ONU proclamou 1975 como o Ano Internacional da Mulher e declarou o período 1976-1985 como a Década da Mulher. Foi nessa época que muitas mulheres se reuniram em vários espaços, a exemplo da I Conferência Mundial sobre a Mulher, e formularam propostas referentes aos Direitos Humanos, buscando incluir questões específicas que pudessem melhorar as condições de vida das mulheres no mundo.

 

Esses acontecimentos impulsionaram a ONU a aprovar a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. (PIOVESAN, 2008). Dessa maneira, foi aprovada a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher pela Assembléia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 por meio da resolução n° A-34-180, que entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 após atingir o número mínimo de 20 ratificações. A CEDAW é constituída por 1 preâmbulo e 30 artigos. Até abril de 2009, o instrumento contava com 186 Estados Partes (ONU, on line), portanto 90% dos membros da ONU, tendo apenas 98 signatários.  A CEDAW, segundo Joni Seager (2003, p. 16),

 

[...] constitue um jeu de normes et de principes universels destinés a servir de références aux politiques nationales à long terme, il s’agit d’éliminer toute discrimination sexuelle. Les gouvernements qui ratifient la Convention doivent mettre em place des politiques et des lois visant à supprimer toute discrimination envers les femmes.

 

A CEDAW é o único tratado internacional que aborda de modo amplo, os direitos das mulheres. Foi uma das grandes conquistas dos movimentos feminista e de mulheres, na medida em que é o único tratado que versa sobre algumas espécies de direitos das mulheres, como políticos, civis, econômicos, sociais, culturais, entre outros. No final dos anos 70 e início dos 80, os direitos das mulheres passaram a ser um tema amplamente debatido nos fóruns internacionais, nacionais, regionais e locais. A ONU, como a responsável por tais eventos no cenário internacional, avançou nos debates e não envidou esforços para realizar as Conferências Mundiais de Direitos Humanos, levando os direitos das mulheres aos espaços de discussão e de deliberação no sentido de desenvolver estratégias para dar um outro destino à condição da mulher na esfera global, que, ao longo da história, foi tratada como o “segundo sexo”, conforme Simone de Beauvoir (1970)

 

Não se pode negar a importância das Conferências da ONU, a exemplo da Conferência Internacional de Direitos Humanos, ocorrida em 1968 no Teerã, Irã, através da qual se tentou informar a sociedade sobre a importância de se reconhecer e respeitar os direitos, tanto dos homens como das mulheres; da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocorrida em 1993 em Viena, Áustria, que contribuiu, de maneira especial, para a eliminação da violência contra as mulheres, tanto na “vida pública” como na “vida privada”, e a eliminar quaisquer conflitos que possam, porventura, acontecer entre os direitos humanos da mulher e “os efeitos prejudiciais de certas práticas tradicionais ou costumeiras, preconceitos culturais e extremismo religioso”. (Declaração de Viena, parágrafo 38); da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrida em 1994 no Cairo, Egito; da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, ocorrida em 1995 em Beijing, China, a qual contribuiu, sobremaneira, com o seu enfoque nos direitos humanos das mulheres, principalmente, considerando que a referida Conferência teve como um dos seus objetivos centrais relatar o grau de implementação das Estratégias de Nairóbi, elaboradas durante a Conferência de 1985, bem como de preparar e promover uma Plataforma de Ação para o fim do século XX. (TRINDADE, 2003b).

 

(...)

 

O VI Relatório Nacional Brasileiro informou sobre as dificuldades com relação à participação de mulheres em espaços de poder. Contudo citou a importância da nomeação da Ministra Ellen Gracie Northfleet para Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)29 e de outras, como Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, a primeira mulher a ser nomeada para o cargo de Ministra do Superior Tribunal Militar (STM). Desse modo, nota-se uma evolução, mesmo que mínima, de participação de mulheres no Poder Judiciário brasileiro. Segundo o VI Relatório (2008, p. 32-33), existiam 2 mulheres e 9 homens no Supremo Tribunal Federal (STF); 5 mulheres e 28 homens no Superior Tribunal de Justiça (STJ)30; 4 mulheres e 14 homens no Tribunal Superior do Trabalho (TST)31; nenhuma mulher e 7 homens no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); 1 mulher e 14 homens no Superior Tribunal Militar (STM). (VI RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2008, p. 32). Na esfera internacional, é importante mencionar a nomeação da Embaixadora Maria Luiza Viotti. O Governo Federal ampliou as vagas referentes ao Concurso à Carreira Diplomática nos anos de 2006, 2007 e 2008. (VI RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2008, p. 33).

 

Na esfera do Poder Executivo brasileiro, pela primeira vez na história, se teve 5 ministras32, dentre elas Dilma Vana Rousseff, que, atualmente, comanda a Casa Civil da Presidência da República. (VI RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2008, p. 33). O Estado brasileiro tenta minimizar a história das mulheres no que se refere à participação em espaços de tomada de decisões, mas ainda está longe de atingir a igualdade prevista na CEDAW. Com relação ao tema “Empoderamento das Mulheres”, o Comitê CEDAW expressou a sua preocupação com o fato de as mulheres continuarem sub-representadas em posições qualificadas em algumas áreas da vida pública e profissional, como no Poder Judiciário e no Ministério das Relações Exteriores, em especial nos altos escalões. Sobre o tema, o Comitê CEDAW decidiu pela Recomendação n° 12 ao Estado brasileiro:

 

XII. O Comitê recomenda que sejam adotadas políticas pró-ativas para aumentar a participação das mulheres nestes níveis e, quando apropriado, medidas especiais temporárias, de acordo com o artigo 4°, parágrafo 1°, da Convenção, para assegurar o real “empoderamento” das mulheres em base de igualdade com os homens.

 

O “Empoderamento das Mulheres” já foi comentado na Recomendação n° 11 do Comitê CEDAW. No que concerne à temática “Educação”, o Comitê CEDAW expressou preocupação com a alta taxa de analfabetismo e a baixa porcentagem de mulheres com formação educacional que ultrapasse o nível primário. Ademais, preocupou-se com a persistente segregação de gênero na esfera educacional, o que causa consequências nas oportunidades profissionais, e com a sub-representação das mulheres no nível superior. Sobre o tema em comento, o Comitê CEDAW deliberou pela Recomendação n° 13 ao Estado brasileiro:

 

XIII. O Comitê recomenda que sejam fortalecidas medidas pró-ativas para o acesso das mulheres a todos os níveis de educação e ensino, particularmente para grupos de mulheres marginalizadas, e que a diversificação das escolhas educacionais e profissionais sejam ativamente encorajadas para mulheres e homens.

 

O VI Relatório Brasileiro informou que observa o acesso das mulheres brasileiras em todos os níveis de educação e de docência, de maneira diferente de outros países em desenvolvimento, o que se dá pautado no princípio da igualdade com os homens. Segundo o Estado brasileiro, as mulheres apresentam, atualmente, níveis de escolaridade superiores aos dos homens. As oportunidades de acesso a bolsas de estudos e programas de educação supletiva são pautadas na igualdade entre homens e mulheres. (VI RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2008, p. 173-174). No que se refere à docência, as mulheres são a grande maioria nos níveis de ensino básico. Entretanto a participação das mulheres diminui no ensino superior, de “maior status”, mesmo sendo detentoras de diploma de grau superior. A carreira acadêmica é marcada por discriminação das mulheres no que concerne às progressões ou promoções, muito embora “os orientandos de mestrado e doutorado se dividam igualmente entre homens e mulheres [...]”.Ademais, além da discriminação de gênero no ensino superior, ocorrem também as de etnia e raça. Diante disso, a Secretaria Especial de Políticas para Igualdade Racial e o Ministério da Educação assinaram um protocolo de intenções, com o fim de elaborar uma proposta de construção da “transversalidade” da questão racial no ensino a partir do programa de inclusão das pessoas negras na educação brasileira. (VI RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2008, p. 174-175).

  

(Íntegra do artigo:

https://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume5/arquivos_pdf/sumario/mercia_cardoso.pdf)

  

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