Avaliação participativa e outras metodologias avaliativas

11/09/2010 15:12

Quando se discute a formação dos cursos jurídicos, muito ainda se tem para acrescentar a esse difícil diálogo entre a técnica, fruto da abstração, e a práxis, resultante do contato com a realidade. O equilíbrio entre esses dois é um anseio já conhecido da academia, bem como dos tribunais, sensíveis aos bons e maus parâmetros estabelecidos pelo ordenamento jurídico, posto serem os responsáveis pela aplicação da legislação existente às situações concretas. A reforma do Poder Judiciário, hodiernamente empreendida pelos profissionais da área e ansiada pela sociedade civil, sinaliza a expectativa de mudança quanto ao direito que há décadas tem subsumido condutas no Brasil. É um importante marco paradigmático; todavia, seria inócua qualquer alteração meramente administrativa ou técnica dos órgãos de prestação do serviço jurisdicional e dos instrumentos processuais. Para ser efetiva e obter o resultado positivo da inclusão de indivíduos hoje excluídos do acesso à justiça – além da Justiça do Estado – há de se englobar nessa discussão outros agentes sociais relevantes, como as associações civis, acadêmicos, conciliadores (oficiais ou extra-oficiais), comunidades populares e organizações privadas, com ou sem fins lucrativos. Democracia participativa significa envolver toda a sociedade em um mesmo projeto de cidadania, ao contrário da forma atual em que há segmentação e fragmentação dos interesses, pois cada grupo defende apenas sua identidade particular, sem compromisso sério e efetivo com as propostas coletivas, consoante preleciona o sociólogo da USP José de Souza Martins. Assim, o processo educativo para fomentar a cidadania, nos cursos de direito, ultrapassa os limites dos tribunais e das reformas políticas. Para que seja mais abrangente e adequado, urge que a polis adquira novo modo de vida, substituto do anterior programa centralizador e provedor corrente no século passado. Isto propiciaria, com maior intensidade, a conservação e o respeito aos direitos humanos fundamentais. A sociedade, vide sua concepção como espaço de convivência e regulação de comportamentos, subsiste graças à preservação desse corolário, garantido na Constituição da República de 1988. Inclina-se a optar por instrumentos educativos que o realizem.

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A formação pedagógica dos docentes da área jurídica, no âmbito da sociedade em rede – multifacetada e interdependente –, exige desses profissionais a sua preparação quanto ao uso de novos instrumentos metodológicos favoráveis à compreensão da realidade em que são aplicadas as normas jurídicas. Urge que sejam vencidas as barreiras de um positivismo puro, sem contanto abandonar a racionalidade herdada do Iluminismo, indubitavelmente, um avanço para o modo de se pensar o fenômeno da lei. Destarte, conhecer as razões de sua eficácia social propicia que se aprofunde o debate sobre a elaboração do direito positivo, notadamente visando a sua democratização. O discente que hoje intenta laurear-se como bacharel deverá atender a requisitos de qualificação diversos daqueles demandados das gerações formadas antes do dos dois decênios de influência da Constituição Cidadã (1988). Embora esta tenha advindo sob as idéias ainda presentes do Welfare State, ou Estado do Bem Estar Social – aproximadamente ocorrido entre a fase getulista e o início da década de 1980 –, sua implantação se realizou, e assim continua a ser, dentro do contexto neoliberal, responsável pelo corte de gastos nas áreas sociais como saúde e educação. A mudança econômica, sem dúvida, alterou o cronograma de estabelecimento da democracia plena, cujo conteúdo não se restringe ao direito de voto a cada dois anos e, esporadicamente, manifestado em uma consulta popular e o acesso à justiça, de natureza retributiva, é complementar mas não substituto dos preceitos da justiça distributiva, na qual os princípios fundamentais do direito estão respaldados.

Há, como conhecido, uma dicotomia entre o texto constitucional, cuja vontade se manifesta em prol da inclusão de todos os indivíduos na categoria de cidadãos, e a prática jurídica, espaço de atuação do bacharel. Ela acontece ora porque nem sempre é possível concretizar os direitos previstos nos dispositivos da norma fundamental; ora devido à insuficiência estrutural do Poder Judiciário, comprometendo o acesso aos órgãos da Justiça; ou em razão do desconhecimento da norma por seus destinatários que, portanto, não a invocam. Sejam quais forem os obstáculos, ao ensino nos cursos de direito convém habilitar seus acadêmicos para serem técnicos legais, função da qual a sociedade muito necessita para garantir suas prerrogativas essenciais, como também se tornarem defensores de uma relação mais dialética entre Estado e sociedade civil. De sua atuação no campo concreto depende, muitas vezes, o empowerment dos grupos sociais, para que adquiram cabedal jurídico e político, e consigam expor e obter suas necessidades junto ao poder público. O bacharel não deve ser preparado tão somente para ser um aplicador da lei; seu papel social como interlocutor e mediador entre o governante e a comunidade, de natureza política – verbi gratia, ao estilo grego antigo ateniense, preferencialmente – permite-lhe facilitar o diálogo democrático, promovendo a cidadania, conquanto não olvide as contribuições oferecidas pela sociedade civil, co-partícipe na organização da convivência social e na proteção dos direitos fundamentais. Dessa forma, o ensino de práticas inclusivas far-se-ia por meio de matérias humanísticas que assegurassem o espaço de participação dos grupos e indivíduos das mais diversas origens e perfis. O direito positivo é uno; a sociedade brasileira é plural. Impor-lhe uma conformação passiva à norma jurídica, sem que o sistema legal incorpore valores oriundos do meio social, implica o comprometimento da eficácia que este mesmo terá. Além de ampliar a metodologia de aprendizagem nas escolas de direito, é necessário inserir outros sujeitos nesse processo educacional.

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Assim como conhecer a existência e o modo de funcionamento desses outros contextos sociais se faz indispensável para a aplicação justa da norma jurídica, de modo a construir processos educacionais verdadeiramente preparatórios de bacharéis aptos a empreender essa tarefa, há de se formular novos procedimentos avaliativos cujo intuito seja a mensuração do conteúdo técnico já assimilado, tanto quanto da capacidade de utilizar tais conhecimentos aliados aos valores humanos que se busca efetivar, hoje, na Justiça brasileira. Somente estabelecendo contato direito com a realidade poder-se-ia aferir com clareza as distorções que advêm da falha em se manter o equilíbrio tridimensional do direito. Em artigo apresentado no IV Simpósio de Formação e Profissão Docente, junto à Universidade Federal de Ouro Preto, em outubro de 2006, defendeu-se a inclusão de novos instrumentos de aferição sobre a evolução da aprendizagem do discente de direito, visando transformar a própria avaliação em um caminho para se obter experiência em lidar com fatos sociais subsumidos ao direito, quer oficial ou extra-estatal. Fez menção, no trabalho mencionado, a algumas práticas educativas já realizadas em sala de aula, mormente na cadeira de Sociologia Jurídica: cartilhas sobre direitos fundamentais para serem distribuídas junto à população, feira de humanidades em que os stands para visitação vinculam o Direito à realidade, e outros exemplos a seguir mencionados.

O processo de produção do conhecimento passa pela capacidade de julgamento do esforço pessoal, das dificuldades encontradas particularmente e da seleção de novos meios de aquisição do saber. Veja-se um exemplo. Em uma das turmas do Curso de Direito, relativamente a uma disciplina técnica, foi determinada uma visita técnica a órgão do Poder Judiciário, cuja pauta de audiências fosse de assuntos vinculados aos temas estudados em sala de aula. Inicialmente, tratar-se-ia de mera visita de conhecimento, mas ao longo do desenvolvimento da tarefa, partiu do corpo discente ampliar as possibilidades do trabalho. A proposta [em outra sala] foi a utilização de recursos audiovisuais para amparar o aluno. A princípio, pode-se inferir que isto transformaria a apresentação em uma leitura de transparências. Ao contrário disso, porém, os trabalhos foram surpreendentes, pois vários grupos produziram minidocumentários sobre o tema. Cada qual visitou um movimento social organizado de Belo Horizonte e entrevistou seus participantes, trazendo para o dia da avaliação em sala, além de material escrito, uma fita de 15 a 40 min, conforme o grupo, na qual haviam relatos, imagens das atividades e depoimentos de pessoas de fora dos movimentos. Outra turma realizou atividade de avaliação por meio da técnica Grupo de Discussão - Grupo de Ouvintes, a partir da análise de um caso concreto. O trabalho foi dividido em três etapas, cada uma representada por um terço da sala. A tarefa consistia em ser capaz de ouvir, primeiramente; depois, ocupar o círculo central e dar continuidade ao trabalho iniciado pelo grupo anterior. Por fim, fazer uma auto-avaliação, que comporia a nota final, a partir do conhecimento adquirido como ouvinte e como debatedor.

Essas práticas de avaliação, aliadas ao exame por meio de prova escrita, concentram vantagens desejadas nos cursos de direito: a) maior autonomia e assunção de responsabilidades do alunado quanto ao seu processo particular de aprendizagem, no qual o docente é um intermediador, também responsável, mas não tutor, no que diz respeito aos cursos universitários; b) a escolha dialogada do método avaliativo, ainda que se mantendo uma parte fixa, amplia as possibilidades de adaptação do método de ensino às novas contingências trazidas pelas mudanças sociais e da norma jurídica; c) a variabilidade de métodos permite ao professor selecionar a forma de avaliação mais próxima do perfil das turmas – sem a pretensão de erigir-se uma avaliação perfeita –, visto que é preciso romper com o dever de avaliar-se todas as salas de uma única forma sempre. A avaliação também é processo de aprendizagem; disso resulta a premência de sua flexibilidade e ajustamento aos seus destinatários. Quando se opta pela metodologia de avaliação participativa, naturalmente, tem-se que estar disposto a efetivar um trabalho docente que não seja repetidor de fórmulas prontas. A preparação do professor há de ser mais profunda pedagogicamente; destarte, não basta ser um renomado advogado ou um polêmico magistrado para, por si só, estar apto a transmitir esse conhecimento ao futuro bacharel. O ensino nas escolas de direito não se destina a formar seguidores deste ou daquele mestre. Tem por escopo, isto sim, capacitar os acadêmicos para tratarem da realidade que ao direito cumpre regular dentro da sociedade. Portanto, ao avaliar o conhecimento jurídico, o método escolhido para fazê-lo orientar-se-á para precisar o quantum de saber técnico o discente já domina, essencial para sua carreira, e sua habilidade em aplicá-lo em uma gama bastante variável de situações não pré-constituídas, mas muitas vezes completamente imprevistas, de modo a que o faça sem perder o parâmetro instituído pelo ordenamento jurídico. A inclusão do aluno na escolha dos instrumentos de avaliação – ou de alguns deles, conforme o caso –, bem como a inserção de novas metodologias, didaticamente adequadas para cada nova situação, favorece que o perfil dos egressos seja de profissionais hábeis para lidar com cenários distintos, sem perda do norte legal, e, ainda, sem tornar ocluso o direito, o que impediria o diálogo com a sociedade civil sobre os valores a serem tutelados pela norma, discussão, aliás, que em geral só se efetiva com o Estado.

Outra distinção positiva neste método avaliativo é dirimir a histórica idéia de que a relação entre docente e discente seja de perseguição, na qual ao aluno competiria atingir determinado score, o que se confunde muito com aprender. Sem dúvida, ensinar dialeticamente é mais árduo; daí a inconveniência dos que ensinam por status. O ensino é uma repetição de padrões, fora dos quais não se saberá agir posteriormente, enquanto a avaliação é a decoreba dos padrões do professor. O alunado deve nestes casos, ser capaz de repetir as palavras do mestre, deixando para ter suas próprias idéias quando forem profissionais. Ora, a essa altura, com algumas exceções, o bacharel já se viciou nas antigas fórmulas, restando ao ordenamento jurídico e à sociedade aguardar que uma outra geração se forme para estabelecer a Justiça aperfeiçoada que se deseja, porém cujo esforço em preparar os seus profissionais fica comprometido pela insuficiência dos métodos didáticos empregados na capacitação dos bacharéis. A relação aluno-professor é primordial para a aprendizagem, sem paralelismo com o relacionamento entre colegas que os discentes possuem entre si, visto a importância dessa orientação madura para os primeiros contatos com o direito na sua construção teórica e prática. Apenas não pode se limitar à criação de uma escola jurídica particular do professor, devido à sua falta de profundidade em conhecer outros discursos.

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