CAFV ENTREVISTA (Por Lawrence Estivalet e Luís Henrique Orio)

27/10/2010 01:15

Entrevistado: EVANDRO MENEZES DE CARVALHO possui Graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (1998), Mestrado em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (2001) e Doutorado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (2005). Fez doutorado sanduíche na Université Paris-Sorbonne (Paris IV) junto a École doctorale "Concept et Langage". É membro do Corpo Editorial da International Journal for Semiotics of Law e da Revista Arquivos do Ministério da Justiça; é também parecerista ad hoc de seleção e avaliação de periódicos da coleção SciELO e editor da Revista Culturas Jurídicas (www.culturasjuridicas.com.br / www.legalcultures.com). Atualmente é professor de Direito Internacional e Coordenador da Graduação da FGV DIREITO RIO e Professor Adjunto I da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) na área de Direito das Relações Internacionais. Desde abril de 2010 exerce a função de Presidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi). Desenvolve pesquisas na área do Direito Internacional e Direito Comparado. 

 

Conte-nos um pouco de suas aspirações enquanto estudante e como se deu a opção pela docência.

Eu não fiz uma opção pela docência, mas pela política acadêmica. Cedo descobri que a noção de “verdade” é uma construção social e que há na sociedade uma disputa de visões de mundo que influencia o nosso modo de agir e de pensar. A opção pela vida acadêmica pareceu-me a mais próxima da possibilidade de ingressar nesta disputa com maior liberdade de pensamento. Se eu optasse por ser advogado ou juiz, por exemplo, teria que trabalhar do lado de dentro do sistema de ideias e práticas do direito vigente. Ao optar por ser um jurista universitário eu seria mais livre para atuar do lado de fora do sistema de ideias e práticas do direito, podendo ser mais crítico e mais autêntico.

 

Como evoluiu isso para a posterior participação na ABEDi?

Não há uma cultura acadêmica no Brasil. Esta foi uma primeira constatação que fiz após ter completado a minha formação acadêmica com o doutorado. Estamos longe de ter uma ambiente de pesquisa e de ensino que valorize o poder das ideias e dos professores independentes. O mais próximo disto pode ser encontrado em algumas universidades públicas. Mas com ressalvas. A decadência das ideias é um fenômeno generalizado e tem a ver com as condições de trabalho dos professores. Este assunto é tão recorrente que virou clichê. Mas não pode ser posto de lado. De todo modo, prefiro não me restringir a este problema. A quase ausência de uma cultura acadêmica é decorrente da cultura do poder que predomina nas instituições. Valoriza-se o que é dito por quem tem poder. O saber daquele que não tem poder é visto com reservas e, às vezes, com desprezo. Em razão disto me vi levado a apoiar a ABEDi e contribuir para, de modo construtivo, mudar este estado de coisas.

 

Participaste do movimento estudantil de direito? Qual tua opinião sobre ele?

Participei, sim, e ativamente. Fui presidente do Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho que,  naquela ocasião, integrava a Coordenação Nacional dos Estudantes de Direito (CONED). No movimento estudantil sempre me incomodou a partidarização excessiva, mas eu não era ingênuo a ponto de achar que este fato era a causa de todos os problemas da pouca apetência dos estudantes para a política. Acho que os estudantes contribuirão muito se olharem mais para dentro das faculdades e defenderem uma pauta que fomente a cultura acadêmica. Isto significa valorizar a pesquisa, a leitura, os professores que se dedicam à vida acadêmica, as iniciativas de revalorização de espaços de estudo etc. Ou seja, tudo o que hoje está (e sempre esteve) em baixa. 

 

Em que contexto se deu a fundação da ABEDi e como se caracteriza sua atual conjuntura?

A ABEDi surge no contexto de discussão sobre os rumos da qualidade do ensino jurídico em razão da exploração desenfreada do ensino superior pela iniciativa privada. No início, o debate concentrava-se em torno da reforma curricular, dos mecanismos e critérios de avaliação dos cursos jurídicos. Na sequência a ABEDi promoveu um importante debate a respeito das metodologias de ensino aplicadas à educação jurídica. As práticas extensionistas tiveram também um lugar importante nos encontros da associação. Atualmente, às vésperas de completar dez anos de fundação, a ABEDi procura renovar a sua pauta e olhar para o futuro. A pergunta central que nos motiva é a seguinte: “que educação jurídica para qual país?”

 

Qual é o grau de inserção da ABEDi nas universidades?

A ABEDi está presente onde estiver um associado seu. É um projeto comum assumido por centenas de professores que sabem a importância de se ter uma ABEDi por ser a única entidade que consegue congregar os professores de direito de todo o país. Queremos regionalizar a ABEDi estimulando a criação dos Núcleos estaduais. Recentemente, criou-se o núcleo mineiro. Queremos, ainda, contar com os estudantes de graduação e pós-graduação que podem também ser associar e assumir a ABEDi como um projeto seu de compromisso com a educação jurídica. 

 

A ABEDi atua em relação ao ensino do Direito de que forma?

Promovemos a cada dois anos um Congresso Nacional que reúne diversos professores de direito de todo o país para debater diversos temas relacionados à educação superior em direito. Este ano o Congresso foi sediado pela UFSC, em Florianópolis. O próximo Congresso Nacional, em 2012, será no Rio de Janeiro. No próximo ano pretendemos fazer cinco encontros regionais nas cidades de Belo Horizonte, Porto Alegre, Porto Velho, Recife e, ainda a confirmar, Brasília. Além disso, a ABEDi divulga artigos de seus associados, promove workshops de formação e, sobretudo, atua junto ao MEC ao indicar membros para a Comissão de Especialistas.

 

Quais suas principais bandeiras?

Queremos chamar a atenção para a necessidade de redução da distância entre o modelo de ensino atual e as exigências do presente para a promoção do desenvolvimento do país. Ainda predominam os modelos de ensino e de gestão que não favorecem uma dinâmica acadêmica estimulante para o aluno e para o professor e que atenda as necessidades de um ensino inovador e ancorado no futuro. Em uma palavra, é preciso apostar na convergência de tudo o que integra o universo acadêmico. Assim, é preciso conectar o ensino à pesquisa, os desafios do presente com os do futuro, conectar o curso jurídico à dinâmica nacional e internacional.

 

Ano passado foram fechadas, por obra do Ministério Público do RS, as escolas itinerantes do MST, sob alegação de que seriam “ideológicas”. Como analisas esta justificativa e que papel cumpre a educação como um todo hoje?

Este é um claro exemplo da consequência nefasta do ensino atual. Das duas uma: ou estes promotores, em virtude de uma (de)formação jurídica, acham ser possível afastar a dimensão “ideológica” da vida do direito ou eles deliberadamente acreditavam ter o poder de afastar a ideologia do MST do horizonte cognitivo dos alunos das escolas itinerantes. Todas estas duas opções são trágicas. A primeira pela ingenuidade intelectual; e a segunda pela vileza das intenções. 

 

Especificamente, qual o posicionamento da ABEDi em relação ao Exame da OAB?

A OAB tem o direito de fazer o Exame que quiser. Preferimos não entrar neste debate. Não se trata aqui de omissão por parte da ABEDi. Mas de reposicionamento dos termos deste debate. Compete à OAB decidir que tipo de profissional ela quer em seus quadros. E o modo como ela elabora o Exame é determinante para isto. Por outro lado, compete à ABEDi discutir que tipo de professor e de aluno ela gostaria de encontrar nas faculdades de direito. Se o Exame da OAB tem influenciado o ensino jurídico, a culpa (se é que devemos apontar culpados) é toda nossa que legitimamos o Exame de Ordem como o elemento medidor principal da qualidade do ensino jurídico.

 

Quais as principais críticas ao ensino do Direito atual?

É preciso deixar a abstração e ir para o concreto. Os alunos não leem e não pesquisam. E os professores não preparam suas aulas e nem pesquisam. Não há ensino bom sem alunos e professores dedicados à vida acadêmica. Muitos vão negar que este seja um fator determinante. Alguns acham que ser um advogado ou juiz é requisito suficiente para se credenciar para a docência. Se este modelo estivesse dando certo, não estaríamos discutindo a crise do ensino.

 

Quais as principais proposições/inovações no ensino do Direito perpassadas pela ABEDi?

A primeira delas é a defesa da profissionalização do ensino jurídico. O professor de direito tem que entender que o objeto dele é, antes de tudo, a “educação”, e, somente em seguida, o “direito”. Esta perspectiva é quase inexistente entre os docentes. É preciso dedicarmos tempo para ler, debater e aplicar as novas metodologias de ensino e o uso das novas tecnologias; adquirirmos competência para a gestão dos processos acadêmicos, incluindo aí não somente o ensino, mas a pesquisa e a extensão; dedicarmo-nos à captação de recursos para projetos de pesquisa e extensão; participarmos do debate público mais ativamente e, sobretudo, participarmos da ABEDi como o espaço de atuação para a melhoria das práticas educacionais e para a formação jurídica da sociedade. 

 

Há alguma universidade no Brasil que responda satisfatoriamente às críticas da ABEDi? Qual(is)?

Em muitas delas você pode encontrar professores e alunos comprometidos com a qualidade da educação jurídica. Mas dificilmente encontrará políticas institucionais sendo aplicadas de forma consistente e coerente. E isto se deve ao baixo comprometimento dos professores com a vida institucional. Coordenador de curso, na maioria destas instituições, serve apenas para elaborar o calendário de aula e despachar requerimentos de alunos e professores. Não há planejamento estratégico nem execução de projetos visando o alcance de metas qualitativas a longo prazo.

 

Que pesquisa e extensão em Direito devem fomentadas na graduação?

Todas aquelas que encontrarem professores e alunos dispostos a executá-las. É importante contextualizar as pesquisas e as atividades extensionistas no projeto pedagógio da Instituição e estar sensível às demandas locais e nacional.

 

Qual o papel das reformas curriculares na mudança de paradigmas do Direito? Que reformas são propostas pela ABEDi?

As reformas curriculares devem respeitar os perfis de cada curso. Não há uma fórmula que deva ser prescrita como sendo a melhor. Cada curso deve estar atento ao projeto pedagógico, à vocação regional, às demandas do país. Pessoalmente, gostaria deve ver mais estudos de direito comparado. As disciplinas poderiam motivar o estudo dos problemas jurídicos desde a perspectiva do direito brasileiro, estrangeiro e internacional. Penso, por exemplo, em disciplinas como “Migração”, “Corrupção”, “Tráfico”, “Meio Ambiente” etc. Esses temas exigem também um bom conhecimento de geopolítica, história, geografia, por exemplo. Isto torna o estudo do direito mais fascinante. Mas não há professores suficientes e preparados para a implementação de uma tal proposta.

 

Como a ABEDi percebe o papel do estudante nessas (re)construções da educação jurídica?

O estudante tem um papel essencial para a transformação do ensino jurídico. Porém, enquanto ele valorizar a cultura do poder, reconhecer como professor somente aqueles que são a projeção do seu desejo profissional e estudar direito como quem se prepara para concurso, então não haverá melhoria. A educação jurídica de qualidade depende da valorização da cultura do direito em detrimento da cultura do poder, do reconhecimento do professor profissional da educação jurídica e do estudo do direito contextualizado com as movimentações da política, da economia e da cultura. Devemos, ainda, acabar com o preconceito contra a pesquisa. Não há jurista sério sem que em sua vida a pesquisa ocupe um lugar central, independentemente de ser advogado, juiz, promotor ou professor. A pesquisa é inerente ao estudo do direito. Quando constato este desprezo pela pesquisa percebo o quanto distorcemos a ideia que temos de “estudo”. Assim, o papel do estudante é estudar – o que significa dizer “pesquisar”. E a pesquisa nos torna mais capazes de sermos autores do próprio pensamento. E quando cada estudanteconseguir esta autonomia no pensar, então teremos conseguido reconstruir a educação jurídica.


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Lawrence Estivalet,

Integrante do Centro Acadêmico Ferreira Vianna (CAFV/UFPEL),

Integrante do Serviço Universitário de Resistência e Justiça para Autonomia (SURJA),

Coordenador de Direitos Humanos e Combate às Opressões da Federação Nacional de Estudantes de Direito.

Twitter: @lestivalet

  

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