Conciliar, sim... mas sob quais critérios de qualidade?

30/11/2010 08:57

Recentemente, o Ministro do Supremo Tribunal Federal César Peluso propôs que a conciliação seja critério para promoção de juízes. A medida reflete uma tendência do Poder Judiciário atual de diminuir o volume de trabalho em razão do excesso de conflituosidade. Mas embora realmente existam advogados que, visando o ganho em sucumbências, estimulem o presseguimento de processos desnecessariamente, e cidadãos que ajuizam ações por querelas com o intuito de fomentar a "indústria das indenizações por danos morais", também existem conciliadores e magistrados que "forçam" acordos em prejuízo do interesse das partes ou de uma delas para cumprir as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça após a Emenda Constitucional n. 45/2004. Não se sabe o quantitativo desses profissionais, e esperamos que sejam, em todas as situações citadas, uma minoria. No entanto, a proposta do Ministro Peluso deve, sim, levar-nos a refletir sobre a qualidade da prestação jurisdicional em razão do volume excessivo de causas, a necessidade de mais juízes e serventuários da Justiça no Brasil, da melhoria de seus equipamentos no interior, e outras questões que comprometem a atuação dos Tribunais, ressalvando-se, é claro, o compromisso destes com a melhoria dos serviços por meio de diversas ações de impacto administrativo interno, processual e, ainda, de cunho social.

 

A preocupação aqui apresentada se justifica em razão do alto número de reclamações que ouço relativamente aos Juizados Especiais, já não tão céleres devido aos problemas de infraestrutura acima citados e nos quais estagiários recebem instrução, algumas vezes, de "peneirar" ou "filtrar" ao máximo o número de causas que seguem para as audiências de instrução e julgamento. Em virtude de tal postura, cidadãos mais simples são efetivamente prejudicados, por desconhecerem plenamente os seus direitos. Transfere-se para eles parte da responsabilidade da sobrecarga do Poder Judiciário, desse modo comprometendo seu acesso à justiça enquanto "direito a ter direito". E a lutar por ele. Ao longo das últimas décadas, notadamente após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, muito já foi feito no esforço verdadeiro de sanar tais dificuldades tanto pelo Estado (Executivo/Legislativo/Judiciário), quanto pelas demais funções essenciais à Justiça (Ministério Público/Advocacia/Defensoria Pública). Não foi uma tarefa fácil vencer o "sucateamento" do sistema de justiça brasileiro que ocorreu durante a ditadura do regime militar. Mas os avanços são inegáveis, a população sente isso e, logo, procura mais a solução judicial de seus problemas, também em razão da "crença" de que tudo é uma questão solúvel via sentença. As mediações extrajudiciais e a arbitragem têm sido descobertas pela população, mas ainda se precisa divulgar mais tais formatos de composição de conflitos.

 

Porém, persiste a pergunta? Uma vez que os critérios de mensuração quantitativa das metas do Poder Judiciário são claro e bem definidos, quais são os critérios qualitativos que se observará para garantir que a prestação jurisdicional não se fará "a toque de caixa" (expressão popular que siginifica "às pressas", ao ritmo do bater nas caixas ou tambores; era o barulho destes usado para se expulsar bêbados ou vagabundos apressadamente de algum lugar). Como se aferirá a qualidade do atendimento oferecido ao cidadão pelos estagiários, pelos conciliadores ou magistrados, que são os sujeitos da tomada de decisão jurídica nos Juizados Especiais e nos Núcleos de Mediação, por exemplo? O magistrado que não estimular a conciliação poderá perder promoção por merecimento. Mas e o que a "forçar" em detrimento de direitos fundamentais assegurados na Constituição ou na legislação infraconstitucional? A proposta é, sim, muito boa. Todavia, cabe reflexão mais aprofundada sobre os seus critérios quantitativos e, especialmente, qualitativos, pois a produtividade deve ser aliada da Justiça, não sua subjugadora. Quem espera tanto tempo por uma decisão (e historicamente esperou tantos séculos para ser cidadão) merece mais cuidado com a sua causa, ainda que o Estado tenha dificuldades estruturais para solucionar os problemas da maneira mais desejada e menos onerosa aos cofres públicos.

 

 

 

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