Direito e justiça: Estado democrático de direito e o processo constitucional (FREITAS, Sérgio H. Z.; COSTA, Carla R. C.)

19/07/2010 22:16

O Estado democrático de direito não representa apenas o resultado dos elementos constitutivos do Estado de direito e do Estado democrático, mas uma evolução histórica que atravessou os estágios do Estado de polícia, do Estado liberal e do Estado social, com a superação de grande parte das contradições e das deficiências dos sistemas anteriores, até atingir o modelo contemporâneo que inspira várias das atuais constituições estrangeiras, além da Carta Constitucional brasileira de 1988 (CR/88).

O Estado de polícia, vigente na Idade Média, era caracterizado pela irresponsabilidade política, em que a lei se confundia com preceitos religiosos e o Estado absolutista criava normas, mas não se submetia a elas, sendo as mesmas reservadas aos indivíduos comuns, submetidos ao autoritarismo.

Nos pilares do iluminismo e da Idade Moderna surge o Estado liberal, com o ideal da democracia no plano político e o laissez-faire no plano econômico, com destaque para o advento do princípio da legalidade, da razão e da proteção ao indivíduo e à propriedade privada. Os estados passaram a se organizar e estruturar por meio de constituições formais, movimento denominado constitucionalismo.

As conquistas concebidas no Estado liberal, quais sejam, a supremacia da Constituição, a estipulação de funções estatais, a declaração e garantia dos direitos individuais e o respeito ao princípio da legalidade, não foram suficientes para evitar as crises, como a deflagrada pelo acúmulo de capitais e de propriedade em mãos de poucos. A incapacidade de esse modelo atender as demandas sociais e a necessidade real sobre os direitos e liberdades para todos ocasionaram a ruptura com o Estado liberal (caracterizado por cidadão-proprietário e marcado pela ideia de limitação ao poder) e a adoção do Estado social (caracterizado por cidadão cliente do Estado e pela participação no poder).

O Estado social, também conhecido como Estado administrador, com predomínio da administração sobre a política e da técnica sobre a ideologia, assumiu a função de agente conformador da realidade social para atendimento de uma sociedade de massas com conflitos sociais, buscando integrar e reduzir as desigualdades, com condições materiais para emancipação do indivíduo e consecução do bem-estar social geral.

Os direitos fundamentais deixam de ser casuísticos e emergem-se como valores essenciais do sistema jurídico-político, condicionantes do método de sua interpretação, passando de meros direitos de defesa ante o Estado para um em direito de participação do cidadão e de prestações do Estado.

Entretanto, com a falência dos regimes totalitários do leste europeu, o socialismo burocrático viu-se desmitificado, gerando um momento histórico de incertezas e declínio. O Estado social sucumbiu à crise à medida que o discurso assistencialista tentava encobrir a insuficiência de recursos do Estado para atender as demandas sociais e econômicas da complexa sociedade moderna, o que ensejou releitura das premissas até então adotadas.

Têm-se, na sequência, os primeiros postulados do Estado democrático de direito, com os denominados direitos de terceira geração, aqui compreendidos como os direitos e interesses difusos, o direito ao meio ambiente equilibrado e os direitos do consumidor, com destaque para a organização da sociedade civil, que passa a participar dos debates envolvendo a coisa pública, questionando e fiscalizando o Estado sobre os problemas sociais e seus interesses fundamentais.

O conceito contemporâneo de Estado democrático de direito exige que o legislador, nas sociedades políticas democráticas de direito, uma vez eleito, submeta-se aos princípios do processo como instituição jurídica balizadora da soberania popular e da cidadania, cujos fundamentos se assentam no instrumento da jurisdição constitucional e esta como atividade judicatória dos juízes, de forma legal, pré-existente e básica, como única fonte do poder constituinte.

Com caráter científico, a teoria constitucionalista do processo, objeto de estudo pela Escola Mineira de Processo, colaciona que o processo, em seus novos contornos teóricos na pós-modernidade, apresenta-se como instituição constitucionalizada que, pela principiologia constitucional do devido processo (que abarca os princípios da reserva legal, da ampla defesa, da isonomia e do contraditório), converte-se em garantia, na qual os sujeitos são ao mesmo tempo autores (construtores) e destinatários do provimento final, emitido pelo diretor dialogador (magistrado) dele, a partir da reconstrução fática processual.

Assim, o processo constitucional tem por fundamento garantir o princípio da supremacia constitucional, possibilitando a efetiva tutela, proteção e fomento dos direitos fundamentais, segundo testificação dialógica popperiana. Logo, demanda pressupostos essenciais, entre eles: o direito à celeridade dos processos, a razoável duração dos pleitos (com a eliminação das etapas mortas do processo), e as formas de controle constitucional; que não podem ser confundidos com diminuição ou eliminação das garantias processuais constitucionais (contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição, fundamentação das decisões, direito de prova, instrumentalidade das formas, presença de advogado, gratuidade e assistência judiciária, entre outros preceitos implícitos e explícitos na CR/88), sob pena de fender o princípio do Estado democrático de direito.

 

Sérgio Henriques Zandona Freitas - Professor de graduação e pós-graduação da PUC Minas, Fumec e EJEF, diretor do Departamento de Direito de Tecnologia da Informação do Instituto de Advogados de Minas Gerais (Iamg), assessor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mestre e doutorando em direito
 
Carla Regina Clark da Costa - Graduanda em direito

Voltar