Educar é um ator de amor (Adilson Gurgel, Conselheiro do CNMP e ex-Presidente da ABEDi)

11/09/2010 17:38

Educar é um ato de amor, pois é preciso querer mudar o mundo. Assim, os educadores se tornam propiciadores da humanização do ensino e não de sua hominização*. Por essa razão, o Núcleo Docente Estruturante dos cursos jurídicos deveria contar com professores de outras áreas: pedagogos, historiadores, cientistas sociais ou outros. E é necessário empenhar-se com dedicação à carreira de educador jurídico tanto quanto em qualquer outra do Direito, pois nossa área cuida de direitos essenciais para a espécie humana, a sociedade espera de todos nós uma atuação comprometida com esses valores. Por isso também é essencial estimular nos alunos o conhecimento sobre a própria cidade em que vivem, estender sobre ela o olhar e comprometer-se em educar os discentes, não em ser apenas “professor”, aquele que vem, cita o código e vai embora. Daí a importância de se optar preferencialmente nas instituições de ensino pelo educador contratado e bem preparado, ao invés do professor horista, “batedor de ponto” e sem maior compromisso com pesquisa e outras atividades acadêmicas.

 

Por essas e outras razões, a Comissão Nacional de Ensino Jurídico – prefiro o termo Educação Jurídica, pois o educador se compromete e atua com amor (dedicação, vontade de transformar) – está empenhada em colaborar para a melhoria da qualidade da formação dos bacharéis por meio de medidas a exemplos de: selo OAB, Coleção “OAB Ensino Jurídico” (já com 10 livros e agora denominada OAB Educação Jurídica) e a realização de seminários e congressos como esse. O Ministério Público também está revendo seus critérios para concurso público, de modo a privilegiar nas provas o bacharel reflexivo e, não, aquele com conteúdo “macdonaldizado” (repetição de um padrão generalizado). Sabe-se que o alto índice de reprovação atualmente nos exames de ordem e nos concursos públicos são um sinal claro de que mudanças são mais do que necessárias. O Selo “OAB Recomenda” não foi expedido esse ano ainda pois se previu a possibilidade de haver, em razão dos diferentes métodos de avaliação, uma dissonância entre o rank do ENADE e o rank da OAB. Outra relação que precisa ainda ser melhor ajustada é a definição de critérios entre a Comissão de Ensino Jurídico, que acompanha as faculdades de Direito, e a Comissão de Exame de Ordem, pois ambas também não são uniformes em seus critérios avaliativos.

 

Mas um grande esforço tem sido feito pela Ordem dos Advogados em prol das transformações que melhorem a qualidade do ensino jurídico no Brasil. A atuação da OAB tem sido importante para evitar a abertura indiscriminada de cursos, todos prometendo ser “o melhor curso de Direito do Brasil”, embora essa promessa não se cumpra em vários casos. Há, hoje, compromisso em aprimorar os detalhamento nos resultados dos exames de ordem para permitir uma análise mais realista da realidade educacional jurídica brasileira. Por exemplo, há a proposta de se efetuar um questionário on line com o bacharelando no ato de sua inscrição para a prova. E mesmo esta tende a mudar, já que a aferição da memória não indica se um bacharel estará apto a ser um bom advogado. A memória é uma parte de nosso cérebro, porém há muito mais a explorar. Portanto, é preciso melhorar o exame e, também o parecer prévio da OAB sobre as instituições de ensino para garantir, desde o início, uma nova postura na formação jurídica. Os educadores em Direito precisam reconhecer, ainda, a necessidade de consultores didático-pedagógicos, pois esse conhecimento específico e primordial para aperfeiçoar os cursos jurídicos não é próprio do Direito, mas se tornou imprescindível para que as mudanças desejadas aconteçam. Para isso a OAB está começando a estimular seminários e congresso em freqüência cada vez maior por todo o Brasil, com a finalidade de criar espaços de reflexão conjunta de todos os interessados: educadores, alunos, OAB, ABEDi, MEC.

 

E deve-se exigir mais das faculdades de Direito também. Embora pareça diferente do esperado, apurou-se que cerca de dois terços dos discentes consideram que se poderia ter exigido mais deles durante o curso. Isso põe por terra o mito do “professor bonzinho”, pois quando esse aluno chega à realidade da profissão e percebe que não foi bem preparado reconhece que não recebeu a educação jurídica esperada. Uma postura metodológica adequada seria a que integrasse teoria e prática em todas as etapas do processo de aprendizagem. Por exemplo, a cada três aulas teóricas sobre o conteúdo, uma prática. É preciso demonstrar ao aluno que o professor não é uma fonte de conhecimento de manuais – como dito pelo Daniel, o “professor Google” acumula mais informação – é preciso ser verdadeiramente educador. Nesse sentido, é um perigo as universidades públicas contratarem apenas doutores por critérios acadêmicos ou exigir de todos dedicação exclusiva, pois como um educador jurídico poderá ministrar os conteúdos de processo, por exemplo, se nunca peticionou nada em sua vida? Deve-se manter o equilíbrio entre profissionais do mercado e profissionais docentes dedicados à universidade com exclusividade.

 

O que esperar, então do futuro da educação jurídica:

 

a) Prática a partir da teoria, a exemplo da fórmula de Peter Druker?

b) Menos professores e mais profissionais de mercado em sala de aula?

c) Menor duração de cursos jurídicos ? (Há uma proposta de reduzi-los para três anos ou criar-se o “tecnólogo”. Nos EUA este curso mais curto existe, mas o “bacharel”, único habilitado a militar na área, deve cursar um período maior de ensino)

d) Personalizar e flexibilizar os cursos, fazendo-os “sob medida” para alguns grupos?

e) Fim das escolas públicas e incremento das escolas privadas com financiamento público?

f) Mestrados profissionalizantes?

g) Entre outras perspectivas possíveis.

 

Para melhorar a educação jurídica, deve-se investir mais em pesquisa, mesmo nas instituições privadas. O docente, em geral, precisa trabalhar em lugares diferentes ou muitas horas semanais, restando-lhe pouco tempo para essas atividades. Além disso, é necessário:

 

1. Transformar os “professores” em educadores;

2. Buscar constantemente a qualidade;

3. Qualificar individualmente os bacharéis (ser melhor é uma opção individual);

4. Estimular a prática jurídica com ética;

5. Alterar o perfil dos cursos;

6. Incentivar a interdisciplinaridade;

7. Ser Faculdade de Direito, não Faculdade “de Leis”;

8. Preparar melhor o alunado para a “vida após o exame da OAB”;

9. Assegurar instalações mais dignas nas faculdades;

10. Aumentar o número de publicações;

11. Investir mais nas bibliotecas;

12. Investir mais em Laboratórios de Informática;

13. Investir em mais recursos tecnológicos;

14. Explorar mais as habilidades dos discentes.

 

Os cursos jurídicos brasileiros devem formar bacharéis com a cabeça bem feita (a exemplo do que descreve o livro de Edgar Mourin) e não com a cabeça “bem cheia” de informações estéreis que o aluno não sabe utilizar. Deve-se estimular a curiosidade dos discentes e contextualizar o conhecimento para combater o “pacto da mediocridade”.

 

 

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* Processo de evolução do ser humano a partir dos primatas até o seu estado atual. 

Educar é um ato de amor, pois é preciso querer mudar o mundo. Assim, os educadores se tornam propiciadores da humanização do ensino e não de sua hominização*. Por essa razão, o Núcleo Docente Estruturante dos cursos jurídicos deveria contar com professores de outras áreas: pedagogos, historiadores, cientistas sociais ou outros. E é necessário empenhar-se com dedicação à carreira de educador jurídico tanto quanto em qualquer outra do Direito, pois nossa área cuida de direitos essenciais para a espécie humana, a sociedade espera de todos nós uma atuação comprometida com esses valores. Por isso também é essencial estimular nos alunos o conhecimento sobre a própria cidade em que vivem, estender sobre ela o olhar e comprometer-se em educar os discentes, não em ser apenas “professor”, aquele que vem, cita o código e vai embora. Daí a importância de se optar preferencialmente nas instituições de ensino pelo educador contratado e bem preparado, ao invés do professor horista, “batedor de ponto” e sem maior compromisso com pesquisa e outras atividades acadêmicas.

 

Por essas e outras razões, a Comissão Nacional de Ensino Jurídico – prefiro o termo Educação Jurídica, pois o educador se compromete e atua com amor (dedicação, vontade de transformar) – está empenhada em colaborar para a melhoria da qualidade da formação dos bacharéis por meio de medidas a exemplos de: selo OAB, Coleção “OAB Ensino Jurídico” (já com 10 livros e agora denominada OAB Educação Jurídica) e a realização de seminários e congressos como esse. O Ministério Público também está revendo seus critérios para concurso público, de modo a privilegiar nas provas o bacharel reflexivo e, não, aquele com conteúdo “macdonaldizado” (repetição de um padrão generalizado). Sabe-se que o alto índice de reprovação atualmente nos exames de ordem e nos concursos públicos são um sinal claro de que mudanças são mais do que necessárias. O Selo “OAB Recomenda” não foi expedido esse ano ainda pois se previu a possibilidade de haver, em razão dos diferentes métodos de avaliação, uma dissonância entre o rank do ENADE e o rank da OAB. Outra relação que precisa ainda ser melhor ajustada é a definição de critérios entre a Comissão de Ensino Jurídico, que acompanha as faculdades de Direito, e a Comissão de Exame de Ordem, pois ambas também não são uniformes em seus critérios avaliativos.

 

Mas um grande esforço tem sido feito pela Ordem dos Advogados em prol das transformações que melhorem a qualidade do ensino jurídico no Brasil. A atuação da OAB tem sido importante para evitar a abertura indiscriminada de cursos, todos prometendo ser “o melhor curso de Direito do Brasil”, embora essa promessa não se cumpra em vários casos. Há, hoje, compromisso em aprimorar os detalhamento nos resultados dos exames de ordem para permitir uma análise mais realista da realidade educacional jurídica brasileira. Por exemplo, há a proposta de se efetuar um questionário on line com o bacharelando no ato de sua inscrição para a prova. E mesmo esta tende a mudar, já que a aferição da memória não indica se um bacharel estará apto a ser um bom advogado. A memória é uma parte de nosso cérebro, porém há muito mais a explorar. Portanto, é preciso melhorar o exame e, também o parecer prévio da OAB sobre as instituições de ensino para garantir, desde o início, uma nova postura na formação jurídica. Os educadores em Direito precisam reconhecer, ainda, a necessidade de consultores didático-pedagógicos, pois esse conhecimento específico e primordial para aperfeiçoar os cursos jurídicos não é próprio do Direito, mas se tornou imprescindível para que as mudanças desejadas aconteçam. Para isso a OAB está começando a estimular seminários e congresso em freqüência cada vez maior por todo o Brasil, com a finalidade de criar espaços de reflexão conjunta de todos os interessados: educadores, alunos, OAB, ABEDi, MEC.

 

E deve-se exigir mais das faculdades de Direito também. Embora pareça diferente do esperado, apurou-se que cerca de dois terços dos discentes consideram que se poderia ter exigido mais deles durante o curso. Isso põe por terra o mito do “professor bonzinho”, pois quando esse aluno chega à realidade da profissão e percebe que não foi bem preparado reconhece que não recebeu a educação jurídica esperada. Uma postura metodológica adequada seria a que integrasse teoria e prática em todas as etapas do processo de aprendizagem. Por exemplo, a cada três aulas teóricas sobre o conteúdo, uma prática. É preciso demonstrar ao aluno que o professor não é uma fonte de conhecimento de manuais – como dito pelo Daniel, o “professor Google” acumula mais informação – é preciso ser verdadeiramente educador. Nesse sentido, é um perigo as universidades públicas contratarem apenas doutores por critérios acadêmicos ou exigir de todos dedicação exclusiva, pois como um educador jurídico poderá ministrar os conteúdos de processo, por exemplo, se nunca peticionou nada em sua vida? Deve-se manter o equilíbrio entre profissionais do mercado e profissionais docentes dedicados à universidade com exclusividade.

 

O que esperar, então do futuro da educação jurídica:

 

a) Prática a partir da teoria, a exemplo da fórmula de Peter Druker?

b) Menos professores e mais profissionais de mercado em sala de aula?

c) Menor duração de cursos jurídicos ? (Há uma proposta de reduzi-los para três anos ou criar-se o “tecnólogo”. Nos EUA este curso mais curto existe, mas o “bacharel”, único habilitado a militar na área, deve cursar um período maior de ensino)

d) Personalizar e flexibilizar os cursos, fazendo-os “sob medida” para alguns grupos?

e) Fim das escolas públicas e incremento das escolas privadas com financiamento público?

f) Mestrados profissionalizantes?

g) Entre outras perspectivas possíveis.

 

Para melhorar a educação jurídica, deve-se investir mais em pesquisa, mesmo nas instituições privadas. O docente, em geral, precisa trabalhar em lugares diferentes ou muitas horas semanais, restando-lhe pouco tempo para essas atividades. Além disso, é necessário:

 

 

1. Transformar os “professores” em educadores;

2. Buscar constantemente a qualidade;

3. Qualificar individualmente os bacharéis (ser melhor é uma opção individual);

4. Estimular a prática jurídica com ética;

5. Alterar o perfil dos cursos;

6. Incentivar a interdisciplinaridade;

7. Ser Faculdade de Direito, não Faculdade “de Leis”;

8. Preparar melhor o alunado para a “vida após o exame da OAB”;

9. Assegurar instalações mais dignas nas faculdades;

10. Aumentar o número de publicações;

11. Investir mais nas bibliotecas;

12. Investir mais em Laboratórios de Informática;

13. Investir em mais recursos tecnológicos;

14. Explorar mais as habilidades dos discentes.

 

Os cursos jurídicos brasileiros devem formar bacharéis com a cabeça bem feita (a exemplo do que descreve o livro de Edgar Mourin) e não com a cabeça “bem cheia” de informações estéreis que o aluno não sabe utilizar. Deve-se estimular a curiosidade dos discentes e contextualizar o conhecimento para combater o “pacto da mediocridade”.

 

 

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* Processo de evolução do ser humano a partir dos primatas até o seu estado atual.

Síntese da palestra proferida no I Congresso Mineiro  de Ensino Jurídico, Estágio e Exame de Ordem (OAB-MG, Belo Horizonte, 10-09-2010).

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