Experiência de mercado pode substituir titularidade de docentes em universidades

09/08/2010 14:46

Tramita no Senado, por iniciativa de Fernando Collor de Mello, projeto de lei que pretende flexibilizar a contratação de professores universitários nas áreas de tecnologia e engenharia. Segundo a justificativa do projeto, o academicismo está tomando conta dos cursos, prejudicando a formação dos egressos. Embora a presença de profissionais do mercado seja desejável e até muito necessária em qualquer área, deve-se estar atento ao que está efetivamente ocorrendo no ensino superior brasileiro. Recentemente, na área de Ciências Sociais, a exigência de professores doutores também foi retirada, diz-se, por pressão de algumas mantenedoras privadas. Sendo esta ou não a causa, reduziu o custo da folha de pagamentos com profissionais docentes, pois a menor titularidade enseja o pagamento de hora-aula menor. Docentes doutores foram demitidos ou tiveram que "esconder" essa informação em seus currículos. Além disso, ficou mais difícil atingir os critérios de recebimento de bolsa de pesquisa, pois é claro que um profissional requisitado no mercado somente será aulista, participando de pesquisas, mas não se dedicando integralmente a elas, sob o risco de perder clientes em seu negócio particular, seu principal compromisso. Veja isso na prática. Toda vez que uma IES fizer proposta de projetos de extensão ou pesquisa mais aprofundados, terá que enfrentar o resistência dos militantes. Quem administra um cartela extensa de clientes não tem tempo e dificilmente deseja "trabalho extra". Isso normalente é feito pelo professor dedicação exclusiva, aquele que segundo as más línguas (já que bem despreparadas para uma análise adequada desse papel educacional) "não trablah, só leciona". Este pode ter vindo de uma carreira brilhante, ser engajado em atividades junto às áreas profissionais, não precida ser um "academicista" por estar fora do mercado agora. Até porque, quantos colegas que nele estão são, eles próprios, os verdadeiros "academicistas": abrem seus livros e os recitam para os alunos, "enchendo o quadro" por pura falta de tempo de preparar uma aula didaiticamente interativa e profunda. As mudanças propostas até agora - retirar os exames de qualificação, diminuir a titularidade dos profissionais docentes, reduzir os investimentos em pesquisa,  utilização quase exclusiva de apostilas em lugar de livros, disciplinas que aguçam o pensamento como filosofia e sociologia transformadas em EAD, influência dos profissionais de mercado sócios de faculdades sobre os currículos, entre outras - refletem o "ensino a baixo custo". O que nem sempre reflete na qualidade que os estudantes e membros de diretórios acadêmicos cobram. Anunciamos aqui há pouco tempo que a Federação Nacional dos Estudantes de Direito irá se reunir com a OAB (por que não também com a ABEDI ou o CONPEDI?) em outubro para apresentar uma lista de queixas quanto à qualidade acadêmica dos cursos, que estariam muito tecnicistas e com pouca reflexão mais aprofundada sobre o direito. Infelizmente, caríssimos alunos, a qualidade da educação depende em muito da qualidade das condições de trabalho oferecidas ao profissional docente. O professor com dedicação na casa, em geral, responde por projetos, revistas acadêmicas, ouve os alunos. Como acreditar na educação jurídica assim? Conheço profissionais de mercado que participam dessas atividades, apondo sua assinatura e escrevendo alguma artigo, mas eles em geral dependem de que algum colega com mais tempo assuma, realmente, as tarefas de produção do conhecimento. Ora, só apor a assinatura e contribuir esporadicamente é muito cômodo. E falacioso. É mister lembrar que o desmerecimento da profissão docente é feita principalmente por colegas da área. E a constância desse processo de desvalorização pode causar, efetivamente, que os bons profissionais docentes acabem optando também pelo mercado em primeiro lugar - pois, sim, ao contrário do que as más línguas afirmam, eles sabem atuar na prática - o que acirrará o caráter "concurseiro" dos cursos de hoje (pois engenheiros, dentistas, biólogos, etc., também pensam mais em concurso). O resultado da reunião do FENED depende de uma variável que, espero, saibam os discentes perceber: a OAB não pode mudar a qualidade do curso sem pressionar as IES por qualidade também. IES que, em alguns casos, pertencem a membros da Ordem. O ensino que os alunos querem, não se faz com as condições que hoje são oferecidas aos profissionais docentes. Sinto muito. Sem isso, contentem-se com o fato de que os "concurseiros" continuarão a ser a maioria. A razão é o custo da mão de obra. O melhor profissional não vem pela menor oferta. Condições adequadas de ensino, salário justo e apoio para pesquisas fazem parte do "pacote" do bom professor.

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