Justiça do sistema de cotas brasileiro

21/11/2012 13:34

 

A aprovação das cotas para ingresso em universidades federais para estudantes de
escolas públicas, combinado com os critérios de renda e etnia, tem provocado discussões
em diversos setores da sociedade brasileira nos últimos meses e merece uma reflexão,
mais pela avaliação cultural que podemos fazer do que sobre as cotas em si, pois no
Brasil prevalece o princípio da igualdade de Aristóteles: tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais. É por isso que microempresas recolhem o SIMPLES,
pessoas que possuem pouco patrimônio ou baixos salários são isentos do pagamento do
imposto de renda e, também por isso, é que algumas profissões, como mergulhadores de
plataformas de petróleo, trabalhadores de áreas insalubres e professores se aposentam
mais cedo, devido ao desgaste que suas áreas de atuação provocam mais do que outras.
 
Quando a lei afirma que "somos iguais" isto significa que temos todos o direito de ter
direitos, igualmente, não quer dizer que devemos todos fazer tudo igual e com o mesmo
nível de exigência. A igualdade fundada sobre a justiça precisa considerar as
desigualdades materiais. Não podemos ser utópicos e pensarmos que a Constituição se
cumprirá sozinha. É preciso, sim, que o poder público assuma uma postura ativa de
defesa de quem se encontrar, em qualquer momento, em uma situação real de
desigualdade. Bem, as cotas incomodam porque nos forçam a admitir que não temos sido
tratados igualmente como cidadãos, motivo pelo qual cabe ao Estado, agora, corrigir esta
desigualdade. O Brasil precisa admitir que ainda não é, na prática, a terra de direitos que
julga ser e ter a coragem que outros povos tiveram de pôr o dedo na ferida.
 
Por exemplo, nos últimos dias, o jornal dos Estados Unidos The New York Times apresentou uma
reportagem sobre o recente debate da Suprema Corte daquele país sobre a legislação
eleitoral que restringe a elaboração de normas em 16 estados (situados no sul) e que,
historicamente, perseguiram duramente a população negra. Essa restrição tem por
finalidade evitar que eles criem, como outrora, leis impeditivas de direitos. A reflexão atual
é sobre a mudança cultural ou não dos valores sociais destes estados para saber se tal
restrição ainda deve continuar. O que as estatísticas eleitorais mostraram, no entanto, é
que a mudança de mentalidade ainda levará mais tempo, já que nestes estados o
Presidente Obama alcançou apenas cerca de 10% dos votos, uma margem muito
diferente de outros estados em que perdeu, mas sem tanta rejeição.
 
Assim, também nós devemos pensar cuidadosamente sobre os discursos contra as cotas no Brasil: quem está
falando, por que, quais interesses estão em jogo? Pouco se fala, hoje, da Lei 5.465/1968, a chamada "cota
do boi", que garantia vaga nos cursos de veterinária e agronomia para os agricultores e seus filhos, que além do ensino superior também se estendia ao ensino médio de natureza técnica, e que vigorou até a década de 1980. Portanto, não é a primeira vez que esse tipo de medida é adotada em nosso país. Porém, é a primeira vez que se torna uma política pública de inclusão social, o que talvez seja o
verdadeiro motivo pelo qual está incomodado tanto. Diante disso, devemos repensar
nossas atitudes enquanto cidadãos e refletir se estamos mesmo construindo no dia a dia
os valores de democracia e da igualdade real que pregamos, ou se não é a nossa própria
postura cultural e social, a não a lei de cotas, a real "inconstitucionalidade".

 

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