Liberdade de expressão: para quem? Quais os limites (ou não)?

20/09/2010 10:32

As palavras que escrevo agora não são para serem observadas como se fossem um rito ou um vaticínio sobre a "questão Gil Vicente" e sua exposição "Inimigos", na qual expõe sua descrença pessoal a respeito das instituições hoje existentes. São para refletir, como acredito você também expressa suas reflexões particulares. O artista, que conheço há alguns anos e cujas obras e expressões por vezes admiro, em outras não - como tudo na vida, não se tem que apreciar 100% - apresentará a partir do dia 25 de setembro uma exposição em que ele próprio aparece assassinando figuras públicas que represetnam instituições, como o papa e o Presidente Lula. A OAB de São Paulo ameaçou ajuizar ação para impedi-lo de se apresentar por considerar "apologia à violência e ao crime". Na lista da Associação Brasileira de Ensino do Direito, houve amplo debate dentro do forum virtual com defensores e críticos de Gil Vicente. Coloco aqui meus apontamentos sobre o tema, sem querer ter a "voz da razão". Há alguns anos participo da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e esta instituição já há bastante tempo reflete sobre a arte de um modo que o direito precisa aprender, porque enquanto ficamos tão pequeninos no debate eterno "é ou não é censura" (como se fosse a única questão pertinente à ARTE) deveríamos ampliar nosso enfoque para além da lei, buscando seu fundamento anterior: como estão nossos valores? Por que a arte expressa isso. E o direito, por sua hermenêutica, decide muitos processos também valorativamente. EXPLICO: a obra de Gil Vicente revela ou não a forma como consideramos o "outro"? É a forma que queremos para servir de parâmetro hermenêutico? 

 

Por que a arte tem esse "poder", às vezes incômodo, de revelar quem nós somos. Mais do que gostar ou não do que ele faz, a expressão artística apresentada está por acaso revelando o que não queremos ver: estamos descrentes de instituições ao ponto de a "dor" ou "constrangimento" imposto ao representado na obra não nos importar mais (concordo que é MUITO diferente atacar uma "instituição" do que uma "pessoa específica")? Nós nos anestesiamos? Será que eu ou os demais membros dessa lista nos deixaríamos retratar assim por Gil ou qualquer outra pessoa? Ou nos achamos tão distintos "dos outros" que nem imaginamos poder ser o foco de uma expressão também (Eu? Eu não!)? Aí é a hora de provar nossa defesa da liberdade de expressão: deixemos os alunos criticarem nossas aulas, artigos, livros, etc., quando forem ruins ou menos do que eles esperavam de nós. Porque também falhamos, mas somos resistentes em reconhecer. "Pimenta nos olhos dos outros é refresco"! Mais do que saber se o Gil Vicente, para ser "impactante" teria passado dos limites sociais e legais, outros pontos talvez fossem mais importantes: a- queremos essa liberdade "para tudo", ou agimos como os que acreditam ser desrespeito desenhar  apenas sobre "nossas instituições" (OAB, MP, CNJ, ABEDi, etc.)? b- deve haver liberdade sem limites para alguém, se o cidadão comum pode ser preso se contar piada preconceituosa (o encontro do SBS em 2007 teve um importante GT sobre a exploração sexual da figura feminina, sempre em situações de submissão, nos HQs)?

 

Sobre a OAB, também acredito que é preciso que o órgão tenha cautela ao agir, pois os "limites" da arte (alguns acreditam não existir) são mais extensos do que os da lei, por certo. Mas concordo em um ponto de reflexão - aí entra minha recomendação sobre a SBS - de que a arte não pode "camuflar" sentimentos ou atitudes ofensivas. Deixe o Gil Vicente desenhar, mas observe SIM, porque ao contrário do que disse uma colega no forum da ABEDi, de que esta censura seria semelhante à considerar as propagandas com crianças em nossos dias uma apologia à pedofilia, quem viveu os anos 80 como eu sabe muito bem que isso já ocorreu em um passado não muito distante. A atriz Brooke Shields foi o grande exemplo desse tipo de exploração na época, exibida sensualmente desde antes da puberdade, atitude que hoje a publicidade e o cinema não fazem mais por terem novos parâmetros valorativos. Para quem quiser ler, acho que talvez nos ajude a contemplar a arte, sem censurá-la, mas com senso crítico, o texto da Marina Colasanti, "Eu sei [a gente se acostuma], mas não devia". Serve tanto para usar as obras de Gil e avaliar as instituições por ele representadas, quanto para analisar o próprio artista, afinal, ele também deve se por à prova. Que a liberdade de expressão exista, mas possa ter qualquer um como participante ou "alvo", inclusive eu, você, Gil Vicente e as nossas instituições. Talvez assim consigamos pensar sobre os "limites" que todos queremos ver respeitados, no fundo, quando somos os atingidos e, assim, aprendamos também a tolerar mais "os outros". Quem sabe?... 

 

Texto citado: https://www.releituras.com/mcolasanti_eusei.asp

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