O limite do “outro” e do “eu” perante a lei

21/07/2010 13:33

Em seu livro, Ensaios sobre a alteridade, Lévinas coloca-nos uma questão fundamental sobre a nossa relação com o outro: é preciso vê-lo não apenas como fração de um todo, mas como alteridade. Isto significa estender o olhar para o exótico, buscando sempre manter uma distância mínima do objeto visto – objetividade, de modo a representá-lo tal como é, em si mesmo, com seus próprios valores culturais, sem nossas noções particulares e, às vezes, tão limitadoras da compreensão humana. Aceitar culturalmente o outro é uma tarefa muitas vezes árdua, pois tentamos impor nosso julgamento a tudo que vemos ou “familiarizar o exótico”, explicá-lo conforme nossas concepções do que ele é ou deveria ser. Essa descontinuidade entre o nosso mundo e o do outro permite uma nova postura do ser humano, construindo a sua identidade sem a negação a identidade do outro. É descontínuo esse novo olhar porque reconhece algo além de si mesmo – o mundo não é uma extensão da nossa vida, mas ela faz parte de um mosaico de vivências com uma substância própria, estruturas características, portanto, diferentes de nós. Isto não quer dizer que “certo” e “errado” deixaram de existir.

A existência de parâmetros valorativos (ou axiológicos) é uma necessidade das sociedades. O reconhecimento da autonomia do outro implica em respeitar as discordâncias, sem que tenhamos todos que agir da mesma forma, no entanto também implica a responsabilidade de se estabelecer limites a essas múltiplas individualidades para evitar que o excesso de liberdade resulte em desrespeito à diginidade do próximo. Sim, limitar para ser livre. Parece um paradoxo, entretanto é uma condição sine qua non da interação em um grupo. Se a liberdade for irrestrita – por exemplo, liberdade de expressão, liberdade econômica, liberdade religiosa, liberdade para trabalhar – esta ausência de um escopo legal poderá acarretar em abuso – usar a mídia para injuriar alguém, explorar a mão-de-obra dos empregados, destruir imagens ou ícones de cultos dos quais se discorde, exercer uma profissão sem cuidados de segurança ou habilitação técnica. Os limites das leis para cada um de nós e para nossos semelhantes são essenciais para que a dignidade da pessoa seja exercida em sua plenitude no convívio social – pleno, não irrestrito. Ao invocarmos nossos direitos é mister recordarmos nossos deveres e limitações no uso de nossa liberdade para que o outro também possa viver neste mesmo lugar.

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