O papel da ABEDI no Brasil (VIEIRA, José Ribas)

14/05/2011 13:05


1. Introdução

 

              O transcurso dos primeiros dez anos da instituição da Associação Brasileira de Ensino de Direito – ABEDi – está ensejando um natural processo de reflexão e de balanço de sua contribuição para o debate da educação jurídica no Brasil. Com esse propósito, foram organizados encontros regionais dessa citada entidade ao longo do ano de 2011. O I Congresso Regional da Abedi na região sudeste estruturado sob a temática “Educação Jurídica e Direitos Humanos “ pautou na sua programação uma mesa redonda para examinar o papel da Abedi na sociedade brasileira

              O tema da sessão é um forte indicativo de examina-lo tanto num direcionamento  de qual  tem sido o papel da ABEDi, como também, de uma inserção prospectiva. Assim, a temática  proposta suscita a necessidade de responder determinados questionamentos. O Estatuto da ABEDi no seu disposto do artigo 1º disciplina que o seu objetivo maior corporifica no disciplinamento de “ destinada a promover o desenvolvimento e a elevação da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão em direito”.  Indaga-se se esse desiderato tem se cumprido e de que forma?  Há ou não dificuldades para o atendimento desse compromisso estatutário?

 

2. Legitimidade institucional e a comunidade acadêmica

 

              O marco mobilizador  para a agregação da comunidade acadêmica em torno da “qualidade do ensino” data da Aula Magna proferida em 1955 na Faculdade Nacional de Direito por San Thiago Dantas. Na ocasião, esse notável jurista brasileiro  apresentou proposta corajosa de reformulação do currículo do direito no Brasil de modo agregar a formação jurídica com uma prática profissional. Instigava as inquietudes de San Thiago Dantas a imperiosidade, por exemplo, de uma maior organicidade do curso de direito  diante das “questões econômicas” e “avanços tecnológicos.

              Com o advento do  regime  militar de 1964,  não houve possibilidade de discutir o papel das faculdades de direito e sua qualidade de ensino. No final dos anos 70 do século passado, com a transformação acadêmica operada nos cursos de Ciências Sociais no país pela instalação de consistentes  programas de pós-graduação e de centros de pesquisa, houve um importante passo institucional. Nesse sentido, foi modelada a ANPOCS agregando os mencionados programas de pós-graduação e centros  de investigação. Em 1979, no âmbito da referida associação, materializou-se o grupo de trabalho Direito e Sociedade.

              De 1979 a 1986, o GT Direito e Sociedade  foi um núcleo agregador do debate jurídico acadêmico no Brasil.  No seu âmbito não se discutia uma agenda sobre o ensino jurídico e sua qualidade. Era a articulação da presença de pesquisadores do campo do direito  interessados  em perspectivas sociológicas  como uma compreensão do alcance  do pluralismo jurídico e de interesses coletivos. Para contribuir a respeito do delineamento do papel exercido pela ABEDi e uma projeção futura, é relevante notar que o mencionado  GT de Direito e Sociedade, com substrato nessas temáticas elencadas e sob o  substrato teórico de Boaventura de Sousa Santos, traduzia uma certa influência na mudança do perfil do ensino do direito na sociedade brasileira.  Essa conclusão deve ser destacada porque aponta como por meio de um movimento de idéias, o citado GT de pesquisa exercia a função de espaço associativo da comunidade acadêmica do Direito no final dos anos 70 e inicio dos anos 80 do século passado.  Apesar de seu caráter interdisciplinar, o campo das Ciências Sociais  da ANPOCS era sensível a manutenção institucional do referido GT pela inexistência de espaço associativo do Direito.

              Com a constitucionalização  pelo fim processo autoritário brasileiro no período de 1987/1988,  perdeu-se o peso uma leitura do direito considerando o tratamento sociológico. Os estudiosos de formação jurídica passaram a ter outra agenda de interesses em estudo. Há um esvazimento natural do citado GT da ANPOCS. Esta própria entidade cientifíca assumiu a postura  de estimular que a comunidade acadêmica do direito encontrasse um outro pólo associativo de formulação de seus estudos.

              Vale ressaltar que, nesse período destacado, destacaram-se, também, como espaços de  agregação para o estudo do direito a Fundação Joaquim Nabuco e o Gajop. Merece, ainda, sublinhar a presença do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC numa leitura crítica do direito. Junta-se o grupo”Direito achado na Rua” da UnB com a influência teórica de Roberto Lyra Filho. No Rio de Janeiro, a Puc-rio comparece refletindo o movimento crítico do direito francês.Despontou-se, na forma de espírito associativo de movimento de idéia, o denominado movimento alternativo do direito localizado no mundo acadêmico da UFSC e em setores do Poder Judiciário riograndense..

              Diante desse quadro de pertencimento a espaços agregativos resultantes de movimento de ideias, mais precisamente em 1989, pelos limites do GT Direito e Sociedade  na ANPOCS e também pela já presença significativa de programas de pós-graduação em direito, surge o Conpedi. Esta entidade associativa origina-se mais não para discutir “qualidade de ensino” notadamente na pós-graduação em direito em sentido estrito, mas sim para possibilitar o preenchimento do vácuo pelo desaparecimento do GT Direito e Sociedade.

              Os anos 90 do século passado serão marcados não mais como resultado do direcionamento da instituição do Conpedi de ser um espaço de reflexão teórica. E sim, caracteriza-se não só pela consolidação da expansão do ensino do direito no nível de graduação, como também, pelas políticas de avaliação tanto por parte do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil quanto pelo próprio MEC. Embora o Conpedi foi vocacionado para ser a “ANPOCS” do direito não poderia atender, logicamente,  essas novas demandas da comunidade acadêmica do direito pelo seu gigantismo de sua dinâmica institucional.

              Dessa forma, no auge das políticas de avaliação do ensino do direito e na cobrança de sua qualidade, em 2001, é modelada a ABEDi. O papel dessa instituição de acordo com a força de seu estatuto estava mais consetâneo com a realidade  do campo do direito do que o Conpedi. Pois, este espaço associativo, repita-se, mesmo pontuado para as políticas de pós-graduação, não correspondia mais as forças de um ensino jurídico mais competitivo e premido pelas políticas de avaliação.

              Não há dúvida que, nos primeiros anos institucionais, a ABEDi traduziu uma legitimidade de pertencimento associativo e de prestigio ao ser a voz real  da comunidade acadêmica do direito no campo de sua avaliação do ensino.

 

3. Os impasses de pertencimento da comunidade acadêmica do direito

 

              Espaços associativos como o Conpedi tiveram limites estruturais, desde  início, como foi gizado anteriormente, para cumprir os seus objetivos institucionais. Assim, apesar de seu compromisso de voltar-se mais para ser um centro de reflexão dos programas de pós-graduação e de políticas de pesquisa, a citada entidade tornou-se um mero instrumento de interesses do Comitê de Direito da Capes e debate de seus critérios de avaliação. Quanto a ABEDi, mesmo reconhecendo o seu sucesso institucional nos seus primeiros anos de criação, deparou-se com o fato de que a realidade jurídica não se resumia aos procedimentos de avaliação. Pelo contrário, a complexidade dos mecanismos avaliativos alargava a responsabilidade institucional da ABEDi.

                   Fissuras como a dicotomia de ensino privado em relação a formação jurídica em IES públicas ficaram mais expostas. As questões salariais do seu magistério tornaram-se mais angustiantes e dramáticas com demissões freqüentes e o não cumprimento da legislação trabalhista. Indagações a respeito de qual seria a finalidade da educação jurídica em termos de mercado de trabalho e no destino para os concursos públicos revelaram-se mais insistentes. A heterogeneidade de questionamentos e, também, da possibilidade de integrar diversos corpos associativos diferenciados levaram, nos últimos dez anos, de existência institucional da ABEDi a um certo impasse institucional quanto ao seu destino, pertencimento, por conseqüência, a sua identidade associativa.

              Em relação ao Conpedi no tocante a sua crise de vocação agregativa marcada desde de sua fundação, gradativamente, o seu papel como espaço associativo da comunidade acadêmica do direito foi mais demarcado. Assim, na primeira década do século XXI, o Conpedi voltou-se para mobilizar os seus integrantes para apresentarem trabalhos nos seus mútiplos GTs. Estava, dessa forma, viabilizando a sua proposta de assumir uma presença institucional de uma ANPOCS no direito. No entanto, mesmo com a presença nucleadora dos GTs, o Conpedi não consegui, ainda, materializa-los como núcleos permanentes de pesquisas. O Conpedi ainda fica limitado como sendo um espaço agregativo do campo jurídico “para apresentar trabalhos” e pontuar no currículo lattes de participantes de seus eventos  devido a publicação de resumo nos seus anais.

              Cabe, num passo seguinte, refletir e avaliar se a ABEDi tem enfrentado e apontado, prospectivamente, saídas para o seu universo de desafios impostos pela comunidade acadêmica do direito na sua totalidade da educação jurídica nos últimos anos da primeira década do século XXI.

 

4. Impasses e prospectivas do papel da ABEDi

 

              O desenvolvimento dessa análise a respeito dos encaminhamentos associativos no ensino do direito  já trilhou pontos de esforços iniciados nos anos 50 do século passado. Observou-se que as suas duas décadas finais  foram marcadas por esforços associativos  resultantes mais de movimentos de idéias. Cabe acrescentar que tal processo agregativo do direito tornou-se possível porque houve a formação acadêmica, pela primeira vez na história do ensino jurídico no Brasil, notadamente nos anos 80 do século passado,  de uma geração voltada exclusivamente para o magistério e a pesquisa do direito. Ressalte-se, outra vez, que o Conpedi veio, na verdade, ocupar um espaço nesse “movimento de idéias”. Contudo, esse propósito foi esvaziado com sua articulação indevida com interesses corporativos de avaliação do direito na capes. Tal desvido tem sido redimensionado com o fortalecimento de seus GTs como “locus” de apresentação de trabalhos. Ficou claro que a ABEDi, embora bem sucedida como núcleo de pertencimento nos seus primeiros anos de vida institucional, ficou limitada e refém de seu papel reduzido ao universo da avaliação. Cabe diante desse limite originário e de impasses decorrentes dos conflitos da educação jurídica nos últimos anos na formação jurídica, traçar, em termos de título de reflexão, possíveis caminhos para o papel institucional da ABEDI não só enfrenta-los mas atender, principalmente, o seu ponto maior – qualidade de ensino. Num traço prospectivo,  a presença da ABEDi diante da comunidade acadêmica atenderia:

. Reforçar a noção de seu pertencimento não por uma heterogeneidade de seus integrantes. É necessário para desenhar um papel institucional forte da ABEDi que sua vocação associativa seja marcada pela presença expressiva do magistério superior do direito como fator exclusivo profissional. O repensar sobre o professorado na área jurídica e seu compromentimento decorre de uma conclusão corrente já nos anos 70 do século XX de quem era de fato docente. Tal reflexão pontuava integrar esse universo da docência os que viviam exclusivamente de salário de magistério. Concorde-se ou não esse é o nosso universo associativo prioritário;

. Reforçar a superação perversa da dicotomia entre ensino privado e da estrutura pública. Todos as duas inserções são marcadas pela precariedade. No ensino particular, além de salários precários, não há estabilidade no emprego, estruturas de poder  sem controle da sua comunidade acadêmica, condições perversas de ensino com carga horária excessiva e um corpo discente limitado em termos de ensino e aprendizagem. O ensino público é marcado, também, por condições físicas de trabalho limitadas, por processo majoritário de decisão vinculado ao clientelismo e salários não compatíveis a respeito de certas responsabilidades institucionais. Não esqueça-se que nas IES públicas se encontram distorções gravíssimas de regime de trabalho com juízes ou outras carreirias jurídicas de estado com regime de 40 horas até mesmo com DE. A ABEDi tem a responsabilidade institucional de iluminar para o debate uma avaliação do ingresso expressivo por concurso público de novos docentes principalmente nas IFES.Indaga-se qual é o compromisso desse novo professorado em termos de defesa do ensino público? Cabe, assim, a ABEDi mobilizar e sensibilizar o universo do magistério superior da educação jurídica para enfremento dos desafios enumerados anteriormente tanto para o ensino particular como público;

. O evento promovido pela Comissão da Educação Juridica do Conselho Federal da OAB realizado no final de março de 2011 resultou na aprovação da “Carta do Rio de Janeiro”. Apesar de certos avanços no ensino do direito no país como é o caso de uma maior consciência político institucional do diagnóstico dos seus limites, fica patente que se continua com o mesmo quadro de desafios estruturais na educação juridica a serem enfrentados. O papel da ABEDi e seus integrantes é de ponderar a respeito da razão e aprofundamento da permarnência desse contexto de impasse da educação jurídica no país;

. A ABEDi numa linha prospectiva de seu papel institucional deve assumir uma postura de envolver-se com certos movimentos de ideias como ocorreram nos anos 80 e depois da própria promulgação da Constituição Federal de 1988. Pontuou-se, anteriormente, como esses processos mobilizadores de ideias estiveram pesentes, por exemplo, no GT Direito e Sociedade da ANPOCS. É importante destacar que, após a vigência da CF de 1988, as noções de constitucionalização das disciplinas do direito  ou a sua própria judicialização no Brasil têm sido elementos de agregação no debate e na educação jurídica. Não se esqueça, também, as discussões a respeito do neo-constitucionalismo ou pos-positivismo. A ABEDi tem de reforçar por parte de seus integrantes esse processo de reflexão no universo jurídico. O Instituto dos Advogados Brasileiros, por exemplo, no seu atual esforço de revitalização tem procurado estar presente nos grandes debates de questões jurídicas no país. A ABEDi seguindo esse diapasão não pode estar alheio, a título de exemplo,  a decisões judiciais do STF como a do tema homoafetivo. Deve ser  estimulada a discussão de seus integrantes e  ventilar como procede-las em sala de aula;

. É um consenso que novos métodos de ensino e de aplicação tecnológico tornam-se necessários estar presentes nos diálogos da ABEDi;

. A postura da ABEDi não pode  estar afastada de um comprometimento critico e interdisciplinar do direito. A ABEDi tem de assumir o risco ser um espaço público do anti-poder no direito.A reformulação da educação do direito como foi delineada nos anos 80 do século passado traduzia um profundo comprometimento critico e emancipatório. Tal direcionamento tem de mais cada vez mais retomado em espaços associativos da comunidade acadêmica juridica. O discurso da ABEDi, assim,  volta-se passar para que o ensino- aprendizagem  no campo do direito não é um mero “locus” para autoridades e obras “manualescas”.  O “anti-discurso” pode leva-la como entidade associativa para um isolamento institucional. É um preço agreagativo que merece ser enfrentado  em razão de reforçar a sua identidade política. Indentidade esta que sofre a concorrência de uma formação jurídica cada mais seduzida e deslumbrada pelo poder

Essa postura mais agressiva no contexto institucional, apesar de seu sentido do despojsamento de São Franciso, não impede o diálogo com todas as formas de estrutura de poder;

. Nesse alinhamento de questionar as formas de poder, revela-se um profundo compromisso do papel da ABEDi com posturas éticas na educação jurídica;

. A questão de Direitos Humanos deve estar presente nessa agenda para o papel da ABEDi como a inevitabilidade de uma internacionalização da educação jurídica;

. A ABEDi deve utilizar todo o seu dispositivo eletrônico para fomentar a qualidade do ensino do direito com sua democratização. O incentivo aos seus integrantes, por exemplo, para criarem blogs e a divulgação de textos passam ser prioritários;

. A integração institucional com o Conpedi na sua esfera de atuação nas políticas de pós-graduação em direito é estratégica para uma educação jurídica com organicidade  e horizontalidade nas suas articulações;

. Outras instituições como Conselho Federal da OAB e Anpocs devem estar vinculadas nesses diálogos corporativo.

 

5. Conclusão

 

                  O trabalho desenvolvido pontuou que a temática do papel do ABEDi  conduz a um balanço de sua trajetória institucional e uma leitura prospectiva. Para tanto, a contextualização a respeito dos espaços agregativos no campo do direito desenrola  desde os denominados movimentos de idéia até surgimento de núcleos associativos como o Conpedi e ABEDi. Tais pólos de mobilização da comunidade acadêmica do direito nas suas esferas próprias traduziram pontos limitadores. A ABEDi por sua vocação estatutária mais ampla no tocante a qualidade da educação jurídica vê-se, prospectivamente, com maior responsabilidade institucional. Entretanto, independentemente, de uma pauta definida e extensa, pode-se demarcar os seguintes compromissos para o papel da ABEDi no seu processo associativo: democratização do conhecimento; internacionalização do ensino jurídico de modo a vincula-lo mais com a proteção dos direitos humanos; valorização absoluta do magistério superior acima de qualquer dicotomia de público/privado e por fortalecer a homogeneidade de seus integrantes; por fim, um discurso sul a sul contra qualquer forma de colonialismo de pensamento jurídico reduzindo o direito no Brasil a um conjunto de “idéias funcionalmente fora do lugar”.

  

                                                           Montes Claros, 11 de maio de 2011

  

  

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