O respeito religioso no Estado brasileiro

29/01/2011 18:24

Há pouco tempo, a Corte Constitucional francesa tomou uma importante decisão para aquele país: proibiu o uso de burcas em locais públicos. Considerando que muitas mulheres ainda são forçadas por seus pais e maridos a utilizarem a vestimenta, os juristas franceses entenderam que tanto o Estado não pode aceitar a submissão forçada de um indivíduo, seja homem ou mulher, quanto não se pode estender para a vida pública uma escolha que somente compete à vida privada. Assim, a burca poderá ser usada dentro de qualquer lugar de culto no território Francês, se os seus seguidores assim o decidirem – o Estado não interferirá na opção religiosa - mas, assim como outros símbolos da fé particular de cada cidadão francês, não será usada em espaços da coletividade. Assim como a opinião política e o pensamento filosófico, a crença religiosa deve ser protegida enquanto direito subjetivo de fazer uma escolha de vida de natureza pessoal, em nenhum momento podendo esta postura do cidadão em sua vida íntima ser assumida pelo Poder Público como “opinião, pensamento ou fé do Estado”. Do contrário, não se “governaria para todos”, que é a promessa jurídica feita pela Constituição da República Federativa brasileira em 1988 aos nos assegurar o regime democrático. Nesse sentido, é muito coerente a medida tomada pela Presidente Dilma de retirar de seu gabinete símbolos religiosos. Mesmo sendo católica, entendeu ser ali o local de trabalho do Chefe do país.

 

As discussões a respeito do aborto e de outras questões que permearam as campanhas eleitorais para a Presidência da República foram preocupantes. É permitido o uso da liberdade por cada cidadão - e assim deve ser – para manifestar-se sobre diversas questões cotidianas que possam ser mais ou menos favoráveis aos seus valores pessoais. E é muito bom que possamos fazê-lo. Mas isso não é permitido ao Estado. E o que se viu nos discursos proferidos em ambas as campanhas foi a adoção de posturas particularistas, que ganham votos, mas fazem uma promessa difícil de cumprir após a posse. O Estado brasileiro não tem religião oficial, portanto, não pode prometer agir conforme tais interesses, correndo o risco de ofender direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal para “outros brasileiros”, também cidadãos. Talvez já seja a hora de se fazer um plebiscito no Brasil sobre tais temas e esclarecer, amplamente, o que realmente pensa a sociedade brasileira, ao invés de aceitarmos a opinião de poucos representantes como sendo a “opinião de todos”. Se um cidadão contra o aborto viver verdadeiramente sua fé, não há lei que o faça cometer um pecado, pois seu temor ao seu Deus será maior do que sua reverência ao Estado. Porém, se sua fé for “fraca”, não é a lei que o impedirá de ir a uma das muitas clínicas clandestinas que este país possui não obstante a proibição legal. 

 

O Brasil precisa deixar de lado a hipocrisia. Porque, por trás dela, “outros discursos” indesejados são assimilados pela população gradativamente como se fosse “verdades”. Quem não quiser abortar, não vai fazê-lo, mesmo que a lei autorize, em respeito à sua crença pessoal e de sua família. Mas o que dizer depois desse debate de alguns meses sobre a divisão religiosa e a intolerância que estão se implantando no Brasil? Como governaria com fundamento na Constituição um ou uma presidenciável que tivesse se elegido com fundamento na religião, especialmente, em uma linha religiosa específica? O Brasil acolheu ao longo dos anos budistas, muçulmanos, presbiterianos, católicos, ortodoxos, espíritas, umbandistas, judeus, melquitas, batistas e ateus, além de outras confissões religiosas. Quem vai governar deve fazê-lo para todos. Por isso, precisamos refletir muito profundamente sobre o modelo de Estado que queremos para o futuro brasileiro e preservar o Estado laico, sem religião oficial, que protege “a todos” para que ninguém seja perseguido ou tenha seus direitos ofendidos por ser minoria. Esta, sim, é a verdadeira democracia. 

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