O que são instituições democráticas?

22/06/2013 09:17

Ao longo dos últimos anos, especialmente à medida que a população brasileira se ambientou melhor ao cenário político-jurídico criado pela Constituição de 1988, promulgada no contexto de redemocratização nacional pós-ditadura, aumentou incrivelmente a demanda por participação. Desacostumados com a possibilidade de se organizar de forma não criminalizada, os brasileiros passaram a ter a prerrogativa constitucional de "ter voz", o que significa que após quase duzentos anos após a independência do Brasil, pela primeira vez, efetivamente nos sentimos "cidadãos". Ou, ao menos, entendemos melhor o que deveria ser a cidadania a nós oferecida pelas chamadas instituições democráticas. Para além dos textos legais a população, agora, se porta no sentido de exigir a concretização de seus direitos - esperemos que também de seus deveres, como a preservação dos recursos naturais, não desperdiçando água e não jogando lixo nas ruas, coisas simples e necessárias, ou considerando com mais respeito o próximo, esse "outro" às vezes desconsiderado na defesa de um interesse particular.

Em razão do cenário atual e das mudanças de postura dos cidadãos brasileiros nas últimas décadas, precisamos refletir, ainda, sobre o que é, de verdade, a concepção adequada das "instituições democráticas". Quais são elas, como funcionam, a quem representam? As recentes mobilizações mostraram que os partidos políticos, tão importantes na luta contra a ditadura e no contexto inicial da égide da Constituição de 1988, já não atendem ao que a população anseia politicamente de um sistema de representação. De modo a evitar um modelo anárquico, o qual seria incapaz de organizar os serviços públicos dos quais todos precisamos (fornecimento de água, luz, distribuição de alimentos, transporte, educação, saúde, etc.), faz-se urgente, no atual momento, que haja um debate plural e fundamentado entre Estado e Sociedade Civil sobre o papel das instituições e quais delas devem permancer do mesmo jeito (ou quais devem mudar ou ser substituídas por outras mais adequadas ao novo tempo em que nos encontramos).

Foi um ganho imprescindível da Modernidade a sistematização do direito e da política, pois organizaram o acesso a cargos públicos, deram evidência e equilíbrio às limitações entre os Poderes estatais e, também, fortaleceram o espaço do indivíduo e de suas liberdades - levando-se em conta, sempre, que o "outro" também possui essas prerrogativas -, além de elevar para o nível racional debates que antes se concentravam em foros personalistas, gerando privilégios injustificados. Mas, como criticam Leonardo Avritzer, Lívia Barbosa, Boaventura de Souza Santos, Maria Tereza Sadek,  Sérgio Buarque de Holanda, entre outros que analisaram a realidade social brasileira, tais privilégios continuaram a existir e as disparidades, não obstante as promessas feitas na Modernidade, persistem ainda hoje. Prova cabal de que o modelo moderno de instituições democráticas - supostamente - já não atende ao perfil que elas devem ter para o Brasil de 2013. Hora mais do que justa de lutar pelo direito, mas também pelo direito de dizer qual o direito a ser aplicado e qual a instituição que deverá criá-lo e aplicá-lo em nome da população.

Segundo Robert Michells, ao longo dos séculos XIX e XX os partidos políticos se "profissionalizaram". O que representou um ganho em sua sistematização com a organização regulamentar das eleições e do sistema de representatividade, teve um outro lado, que foi o distanciamento entre as demandas populares e as pautas políticas efetivamente discutidas nos legislativos (nacional, estaduais e municipais). Esse distanciamento é denominado de "ausência de conexão eleitoral", ou seja, o representante, após eleito, perde contato com os que o elegeram, fazendo com que a forma como as instituições as quais se pretendem sejam democráticas tenham traços característicos definidos exclusivamente por esses políticos, sem respeito ou conexão com a sociedade. Para compreender melhor essas questões recomendamos a leitura de Arend Lijphart e Adam Przeworski; e, sobre o Brasil, Marta T. S. Arretche e Sérgio Adorno.

Assim, quando os jovens que se mobilizaram nas ruas nos últimos dias e toda a população que os apoia questionam os partidos políticos, não estão de nenhuma forma se opondo às "instituições democráticas", pois pensar assim seria cair no erro de acreditar que somente o partidarismo seria uma forma de se fazer política. Igualmente, é um sério equívoco acusar-se os manifestantes de "anarquismo", em razão de alguns vândalos que se infiltraram nos movimentos motivados sabe-se lá por que (ou por que quem). Aliás, esse é um ponto crucial na mudança jurídico-política atual: que tipo de instituições terão papel a cumprir na democracia nacional a partir de agora? Já que a sociedade não se sente mais representada pelo sistema eleitoral vigente, é hora de repensá-lo. Ele teve sua importância no republicanismo do século XIX e da primeira metade do século XX, ele contribuiu para a redemocratização, mas ele próprio foi um "movimento de transformação" à época em que foi institucionalizado. Ora, instituições não são eternas, pois não há modelo perfeito que não precise de revitalização ou des/reconstrução - citando Derrida - de tempos em tempos. Portanto, a resposta é "sim", os partidos também precisarão se modificar, as regras do sistema de representatividade brasileiro também. E talvez seja isso que mais esteja causando tanto medo em membros destas instituições tradicionais, pois alguns deles podem ter descoberto que talvez não sejam tão democráticos quanto pensavam. 

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