Pesquisa sobre a América Latina: precisamos aprender a nos conhecer (MIRANDA, Maressa)

07/12/2010 10:52

Entre os dias 10 e 12 de novembro de 2010 participei da 5th Nordic Latin American Research Network Conference, também conhecida como NOLAN 2010. O congresso ocorreu na Universidade de Copenhagen, Dinamarca, e tinha como tema “Society, Culture, and Nature in Latin America: New Political Tendencies”. Conforme explicam os organizadores, o tema da conferência vem de encontro com as profundas transformações políticas pelas quais passa a América Latina pelo menos nos últimos 15 anos, como a emergência e crescimento dos movimentos de povos tradicionais, da tomada do poder de esquerdas moderadas e radicais, e uma mistura de estratégias neoliberais associadas ao crescimento do papel do Estado como um agente na economia. Além da alta qualidade das palestras e trabalhos apresentados na conferência, e da magnífica infra-estrutura que a Universidade de Copenhagen, assim como toda universidade européia e norte-americana disponibiliza aos alunos e professores (salas de aula equipadas, internet wireless em todo o campus, enormes bibliotecas físicas e virtuais com acervos disponibilizados gratuitamente aos alunos, apoio ao aluno estrangeiro, etc.), duas coisas me impressionaram particularmente: o interesse e competência de pesquisadores de várias partes do mundo na América Latina, e o comportamento de palestrantes e organizadores durante a conferência. Explico-me.

 

Muitos participantes eram latino-americanos, mas a maioria dos conferencistas eram dos países nórdicos, de outros países da Europa e dos Estados Unidos. Foi no congresso que eu, mineira, brasileira e latino-americana, descobri como há tanta coisa interessante sendo pensada sobre a América Latina nos países do norte, e como a pesquisa sobre política e sociedade latino-americanas está a toda velocidade. Isso me orgulhou e ao mesmo tempo me decepcionou, já que no Brasil a produção acadêmica sobre nós mesmos, e principalmente sobre nossos vizinhos latinos, é ainda muito incipiente, enquanto que os loiros nórdicos nos estudam profundamente. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, as bases de pesquisa e de raciocínio destes pesquisadores ainda precisam ser mais bem “traduzidas” para a América Latina, principalmente no que diz respeito ao plurinacionalismo, ou estados plurinacionais, e às condições de direitos civis e políticos dos povos tradicionais (que discutimos bastante no workshop que participei, Post-Recognition Indigenous Movements and the State in Latin America). Pensar o estado plurinacional na América Latina a partir da confluência de várias culturas dos povos colonizados de forma similar ao estado plurinacional de uma confederação como a União Européia pode render frutos não tão saudáveis. É preciso guardar as devidas diferenças fundamentais entre um e outro.

 

O outro ponto que me chamou atenção foi a forma como os (as) palestrantes e os (as) coordenadores dos workshops se comportam no evento. Apesar de grandes e competentes nomes, referências teóricas para grande parte dos participantes lá presentes, não se cogita do palestrante comparecer no evento no momento de sua palestra, falar e ir embora. Ao contrário, eles participam dos três dias do encontro, debatem, perguntam, conversam com os participantes do evento durante os cafés. Diferente do que acontece no Brasil, os palestrantes não se comportam como “grandes notáveis inacessíveis”, e são contestados em suas exposições e contestam os colegas, fazendo com que as próprias palestras tenham maior coesão no todo do evento. Enfim, temos no Brasil e na América Latina muito material histórico, político e social para estudar. Não precisamos – e não devemos – nos concentrar apenas na Europa, como é do costume da academia brasileira. Temos também bons pesquisadores e teóricos. Talvez seja a hora destes se posicionarem como cientistas que são, e não como super stars. 

 

(Maressa Miranda é Diretora do Escritório de Direitos Humanos de Minas Gerais. Maiores informações: https://www.proteja.mg.gov.br/index.php/escritorio-de-direitos-humanos.html)

Voltar