Polêmicas a respeito do Exame de Ordem

24/07/2010 11:58

Em sua avaliação sobre o Projeto de Lei de iniciativa do Senado (PLS) n.186, de 2006, que propõe o fim do Exame de Ordem feito pela OAB no Brasil, os membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado remeteram a proposta para análise da Comissão de Educação, tendo em vista os argumentos apresentados pelo Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito (MNDB), a OAB nacional e diversas de suas seccionais, além de entidades da sociedade civil em sentido contrário. O principal argumento dessas entidades era a necessidade do exame frente ao fraco desempenho dos discentes oriundos dos inúmeros cursos jurídicos oferecidos no Brasil atualmente. A grande quantidade de faculdades de Direito não teria resultado em acesso à educação jurídica de qualidade e, desse modo, a prova poderia servir como um "filtro" para selecionar os bons profissionais.

Nesse sentido, justifica-se o envio do PLS 186/2006 para a Comissão de Educação. E também se justifica um outro debate: por que a prova deve existir enquanto processo de "filtragem"? Admitindo-se que hoje isto é imprescindível, tal função deve ser vista como paliativa, pois não seria admissível que contássemos em manter o ensino jurídico nacional com baixa qualidade, como se afirma. A polêmica presente nesse projeto de lei ultrapassa a aplicação desse exame. Pertine à preocupação (ou não) com a mudança curricular e metodológica de base na educação jurídica brasileira. Já houve tempo em que a OAB não o aplicava como o faz hoje e tínhamos excelentes bacharéis formados. A questão central não é a prova, mas a qualificação profissional dos bacharéis. Até aqui, sem novidade. O que talvez esteja sem receber a devida atenção é a inclusão universitária e a formação docente. Sob a alegação de que é preciso elevar o nível, deve-se ter extremo cuidado com os dicursos discriminatórios, como alguns que já ouvi de doutores em Direito (em razão do "Dr." concedido pelo decreto imperial há muitos anos...):

 

1 - Haveria uma proletarização da profissão. Nesse caso, se a intenção é evitar o excesso de bacharéis para assegurar os ganhos e o status que outrora a profissão manteve - embora eu acredite que não o perdeu-, o exame de ordem se torna, sob essa ótica, apenas uma forma de "reserva de mercado de trabalho", perdendo qualquer função educativa.

 

2 - Haveria um excesso de faculdades de Direito no Brasil. Nesse caso, é preciso refletir se elas são numericamente excessivas ou se mal distribuídas. Com certeza, São Paulo não comporta (talvez), mais cursos jurídicos. Mas o Acre ainda precisa e quer desenvolver-se mais, o que incluirá a criação de mais cursos. Outro ponto a respeito desse argumento é o selo "OAB Recomenda". Muitos Conselheiros da OAB são sócios/professores de faculdades de Direito, portanto, é preciso refletir o quanto essa relação econômica poderia, em alguns casos, talvez alterar a avaliação feita dos demais cursos.

 

3 - Haveria docentes pouco preparados para lecionar em cursos jurídicos. Com certeza, esse é um tópico que a OAB acompanha com muita razão. Realmente existem e o reflexo disso, em parte, está no exame de ordem. Há um equívoco, no entanto, quanto às razões dessa má formação. O motivo mais forte que se tem ouvido é o fato de que alguns professores de Direito "não trabalham", o que significa dizer que não militam como advogados, não estão na magistratura, etc. Na verdade, entre os docentes atuantes nessas áreas há também professores de baixa qualidade, que usam o espaço universitário para autopromoção, contagem de tempo para fazer concurso, captação de clientes, entre outras atividades pouco didáticas. Muitos alunos reclamam de professores-profissionais em razão disso. Faltam critérios de avaliação claros, metodologia de ensino, plano pedagógico adequado, ou seja, se os conteúdos são apenas "decorados" para fazer a prova "do jeito que o professor gosta", não há como o aluno reproduzi-los no exame de ordem. Não houve ensino-aprendizagem. A formação docente em cursos jurídicoa é, portanto, uma prioridade e somente será obtido algum resultado proveitoso no acadêmico se for vista como "carreira jurídica própria", à qual é preciso dedicar tempo e preparação como em qualquer outra.

 

Assim, admitamos: o exame de ordem ainda é uma necessidade para estimular todos os envolvidos na formação dos bacharéis em Direito a se aperfeiçoarem. Todavia, precisamos refletir com profundidade as razões pelas quais ele deva permanecer e a linha de ação que se adotará para que as causas que o fizeram assumir os atuais moldes possam ser erradicadas. Do contrário, far-se-á a fortuna dos donos de cursinhos preparatórios e a educação jurídica continuará deficitária no Brasil. E não é esta a proposta das instituições sérias de ensino jurídico e tampouco da OAB, todos empenhados em oferecer profissionais de alto nível aos cidadãos brasileiros que dependem do adequado funcionamento do sistema de justiça nacional.

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