Por que não convém ensinar apenas os "ritos"

16/06/2011 10:05

Há algum tempo recebi via e-mail no fórum virtual da Federação Nacional dos Estudantes de Direito (FENED) um texto enviado por um estudante que trazia as reflexões de um professor sobre o ensino jurídico, criticando a forma como é feito em alguns casos. O autor, professor de disciplina técnica, quer dispensar dos currículos matérias propedêuticas. Parte da crítica procede, pois tenho visto discursos sobre o "sexo dos anjos" se tornarem comuns em alguns cursos jurídicos. Com certeza, quando leio alguns títulos de dissertações e teses que estão sendo defendidas atualmente, pergunto-me “para que serve isso”? Todavia, é preciso ter cuidado com o “criticismo profissionalista”, pois também na área prática, a falta de reflexão gera a formação de bacharéis que podem vir a ser meros "rábulas", e não "juristas". Pensar sobre o conceito de justiça e o que esperamos dela é fundamental, especialmente porque as recentes pesquisas feitas no Brasil sobre aceitabilidade institucional mostraram que há grande rejeição e desconfiança da sociedade em relação ao Poder Judiciário. A profissão de advogado também é vista, muitas vezes, com desconfiança. Há uma postura mais acolhedora com o Ministério Público e com a Defensoria Pública em razão de sua proximidade com as questões sociais mais prementes. E, quando o autor/professor critica Dworkin, entre outros autores, também não deve saber (porque os ritos não ensinam) que ele é uma das figuras mais influentes na vida PROFISSIONAL nos Estados Unidos, inclusive em relação à Suprema Corte (equivalente ao nosso STF), cujas decisões, sob a égide de tais ideias, criam direitos via jurisprudência. Dworkin não possui somente escritos filosóficos, mas também dezenas de publicações, algumas recentes, analisando o funcionamento e as decisões judiciais da Suprema Corte norte-americana em casos polêmicos.

 

Por isso me preocupa o "esvaziamento" de conhecimento reflexivo nas faculdades em detrimento do "tecnicismo", tanto entre alunos como em relação aos seus formadores – tão especialmente quanto a estes. Esse tipo de visão favorece os alunos que não gostam de ler, mas sim de "decorar ritos" (que é bem mais simples do que aprender a aplicar, verdadeiramente, um bom direito – o problema se torna ainda maior se a metodologia foi só de "decoreba"; quando o rito muda, como o CPC e o CPP, tem-se que começar tudo de novo...). E não se pode afirmar que os alunos desconheçam a diferença entre os recursos processuais brasileiros, como aventado pelo professor, porque estudaram filosofia nos cursos (aliás, qual a lógica dessa relação de “causa-efeito” apresentada pelo docente?!). Na verdade, se chegaram à disciplina de Processo Civil II ou III sem saber recursos, o erro foi do professor de Processo Civil I ou de Teoria Geral do Processo, ou seja, um técnico, não dos docentes propedêuticos. A quem incumbia ensinar a prática? Resta perguntar por que o professor-profissional não ensinou. Acredito que, em alguns casos, é "eliminação de concorrência" ou "reserva de conhecimento para uso próprio". Sempre me preocupa o “professor bonzinho” que, para “sossego” de alguns alunos não exige muito. Claro que sei que outros colegas podem pensar de modo diferente. Tanto, que já foi sugerido ao Congresso projeto para a criação do curso técnico de "agente jurídico" (SGU 111/2005 - proposta de criação de cursos de nível médio e sequencial). É óbvio que muitas pessoas se irritam com as constantes exigências que têm sido feitas para a melhoria dos cursos jurídicos no Brasil, pois o docente tipo “código” terá que aprimorar-se e estabelecer uma relação construtiva e dinâmica com o aluno, e isso dá muito trabalho, com certeza. O que significa que a docência não poderá mais ser vista como “não-trabalho”. Seja profissional (advogado, juiz, promotor, delegado, assessor, etc.) ou apenas docente, deverá assumir compromisso com o ensino de qualidade.

 

Sou advogada, considero fundamental ensinar por meio de estudos de casos, e com certeza não domino as ideias de Hegel. Sou a favor de saber bem o processo, mas também sou contra o simplismo tecnicista, pois sem saber ler e criticar o por que das coisas um profissional fica fadado a "seguir a maré" e jamais contribuir efetivamente para o Direito. Quem foi que disse que Hegel não se usa? Por acaso o colega professor não sabe a origem do “Estado de Direito”, tão enfaticamente referenciado nos dias atuais, e da relação deste com a sociedade civil (veja-se os sistemas de garantias constitucionais desenvolvidos ao longo de séculos para se chegar ao modelo atual)? Saberá o direito positivo, a norma que o Estado quer que sigamos, mas não compreenderá nunca porque a sociedade também gera direitos e tem legitimidade para exigi-los (minorias, associações, ONGs, indivíduos lesados pelo Estado, pequenos comerciantes, microempresas, etc.). Não podemos ser INGÊNUOS de achar que o Estado é uma figura mítica e salvadora que faz a "melhor" lei sempre e que nos basta aprendê-la e repeti-la. Isto seria negar toda a luta das entidades voltadas à preservação do Direito como o IAB, primeiro a ser fundado no Brasil, a OAB, que luta em defesa da sociedade, e a ABEDI, séria e comprometida com a formação de bons profissionais, não apenas os bacharéis, mas os docentes também. Isto é papel do JURISTA sim, não somente do filósofo (como muitos profissionais pensam, ou melhor, evitam pensar...), ou seremos "papagaios" repetindo códigos. Se for assim, melhor implantar o curso de tecnólogo mesmo...

  

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