Porque a piada é sem graça

11/02/2011 14:42

Hoje recebi via twitter um link para assistir no Youtube um vídeo do "Tribunal do Riso" que fazia crítica aos excessos da linguagem jurídica. Concordo que o rebuscamento (a própria palavra já é difícil) causa problemas na compreensão da lei e das sentenças judiciais pelo cidadão comum: "Afinal, doutor... ganhei ou perdi?!". Já orientei monografia sobre isso e concordo que a revisão da linguagem é necessária e, ao contrário do que aventam (outro exemplo...) alguns, não prejudicaria o uso de termos técnicos jurídicos. O que me incomodou no vídeo é que mais uma vez a forma encontrada para se "fazer graça" é uma piada discriminatória. Sei que muitos se incomodam com o fenômeno do "politicamento correto", mas afinal, é mais fácil ser o piadista do que o tema da piada. Pobres, homossexuais, mulheres, obesos, negros, portadores de necessidades especiais, turcos, judeus, imigrantes, todos estes e ainda outros são as vítimas dessa maneira pouco digna de contar piada. Já citei aqui uma vez o pensamento de Marina Colasanti, "a gente se acostuma... mas não devia", e sei que agluns concordam que é importante o tal do "politicamente correto". Invocamos tanto a Constituição, escrevemos rebuscados (!) textos para mostrar nossa erudição jurídica e o domínio dos textos clássciso para depois contar uma piada, desculpem-me o termo, cretina.

 

Narrei aqui em post anterior sobre o juiz de direito, professor universitário também, que conta piadas de agressão à mulher e "morre de rir" ao final. E há os que o acompanham na risada. Já vi juristas contarem piadas de homossexuais na frentes destes sem a menor preocupação com o sentimento alheio. E os "nobres colegas" que fazem anedotas com afrobrasileiros com a justificativa de que o preconceito "começa com os próprios negros"... É a velha e despudorada mania de culpar a vítima por ser vítima, como se merecesse qualquer coisa que lhe acontecesse. Quer ofensa mais sutil, porém cruel, do que a rejeição de candidatos (mesmo em alguns órgãos públicos) em razão de não terem o "perfil" da instituição, o que significa não ter cabelo liso, ou não ser magro, ou ser esteticamente chamado pelo senso comum de "feio"? E é complicada a prova desse verdadeiro massacre da autoestima e da dignidade humana que cotidianamente acontece. Os tribunais, em geral, também culpam as vítimas. Quantas sentenças trazem na justificativa do irrisório valor da indenização determinado pelo juiz a afirmativa de que "não se pode enriquecer a vítima só porque sofreu"!!! Impunidade garantida, porque a pena legal é irrisória. Enquanto isso, aumenta-se o repertório das piadinhas... 

 

Não acredito que esse comportamento seja por falta de legislação que o proíba. Na verdade, é falta de educação, de valores, de etiqueta social. Esse comportamento abusivo praticado em especial por quem é "autoridade" reflete o que há anos atrás Sérgio Buarque de Holanda já descrevia como uma característica colonial (bem triste, por sinal) dos brasileiros. Menosprezar aqueles que se julga inferior é conduta inaceitável no Direito. Primeiro, porque pela norma jurídica vigente não há ninguém inferior. Segundo, porque invalida a concretização dos direitos fundamentais como prerrogativas universais. Sim, o magistrado, o advogado, o promotor têm prerrogativas... a autoridade pública estatal tem prerrogativas... MAS O CIDADÃO TAMBÉM!! Mas e quando esse desrespeito ocorre dentro de um mesmo grupo, por exemplo, cidadão-cidadão? Cabe ao Direito punir também. O povo brasileiro precisa amadurecer. A redemocratização não veio assegurar apenas os "meus" e os "seus" direitos, mas também os "meus" e os "seus " deveres, aqueles limites sem os quais a sociedade que exigimos ter via Constituição inexistirá. Vale a pena pensar um pouquinho sobre isso.

 

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