Projeto Manuelzão: gestão participativa da comunidade e cidadania (VELASCO, Maria Emília da Silva)

06/06/2011 11:49

 

"A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade:

 só tem valor quando acaba".

João Guimarães Rosa

 

 

 

O Projeto Manuelzão se apresenta como um marco. Partindo da meta traçada pelos atores sociais envolvidos, “navegar, pescar e nadar no Rio das Velhas na sua passagem pela Região Metropolitana de Belo Horizonte”, essa rica atividade de extensão se efetiva dia a dia por meio da tomada de decisões autônoma – não independente – em relação aos instrumentos estatais de políticas públicas, permitindo, desse modo, a emancipação da população que participa do projeto tanto sob o enfoque político quanto jurídico – a gestão participativa é regulada e reconhecida pelo Estado, a exemplo das Unidades Regionais Colegiadas (art. 11. §3º, do Decreto nº 44.667/2007). Esse programa orienta-se, entre outros, pelos princípios ambientais da democracia e da ação comunitária. Acima de tudo, esse projeto tem como objetivo inspirar e provocar toda a população para atuar em parceria no trabalho por um mundo viável para todos. Essa iniciativa depende principalmente da existência de canais de comunicação entre poder público e sociedade civil, que é o papel social exercido pelo Manuelzão na região de Belo Horizonte. Esse projeto é na verdade uma Gestão Ambiental Participativa, que consiste em um processo democrático que não deixa de lado a participação do individuo e que visa principalmente melhorias ambientais e, conseqüentemente, da saúde para todos, já que isso é acima de tudo um direito garantido descritos nos seguintes artigos da Constituição da República brasileira de 1988:

 

Art. 196 – “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

(...)

 

Art. 225 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

(...)

 

A legislação federal vigente prevê que a proteção ao meio ambiente é uma atribuição do Estado, mas esta depende diretamente da conscientização, por via de conseqüência, da participação do cidadão em todo processo de gestão do meio ambiente, principalmente para que as políticas públicas implementadas considerem as peculiaridades locais, tão distintas entre os rincões brasileiros. Tendo em vista essa necessidade de preservação combinada com a de reconhecimento dos interesses específicos da região, pode-se também afirmar que o Projeto Manuelzão consiste em um processo estratégico. Primeiramente, porque é institucionalizado por meio das legislações vigentes na área ambiental, as quais são aplicadas por órgãos criados e dotados de orçamento especificamente para tal fim a exemplo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), dos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH) e das Unidades Regionais Colegiadas (URCs).

 

Em segundo lugar, porque não há possibilidade do poder público, hoje, gerir a vida dos seus cidadãos de maneira unilateral, que se mostra por vezes insatisfatória. É reconhecida a participação da sociedade por movimentos associativos para a defesa de prerrogativas essenciais. Dessa forma, com essa iniciativa, passou a existir um verdadeiro compromisso e cumplicidade. A sociedade e os governantes dividem responsabilidades, participam na consolidação de objetivos e metas, debatem decisões e traçam os rumos. Prevalece a discussão de idéias, o respeito pela opinião alheia, a aceitação de experiências vivenciadas pelos outros, num diálogo aberto, franco e transparente. Quando o cidadão percebe que ele é parte integrante e importante para o progresso, há mais empenho e motivação nas buscas e nas lutas por melhorias. Para que haja efetivação dessa Gestão Participativa é imprescindível o envolvimento e o comprometimento de toda a comunidade.

 

Evidentemente, a Gestão Participativa põe fim na relação dominante versus dominado que predominou por muitos anos, substituindo-a por um mecanismo mais dialogado, embora nem por isso já se tenha alcançado uma poliarquia (DAHL, 2005, p. 25). A América Latina provém de um contexto político autoritário, centralizado no poder do Estado; e foi somente na década de 80 que ocorreu o período de redemocratização, como dito. Portanto, há ainda certa distância entre a legitimidade democrática, presente na Carta Constitucional, e a satisfação com o modelo de democracia efetivo. E esse grau de satisfação dos cidadãos deveria ser mensurado a partir do desempenho real das instituições democráticas (GUNTHER, 2003, p. 4-5). No caso do Projeto Manuelzão, o destaque tem sido em razão, devemos reconhecer, do desempenho principalmente de instituições democráticas oriundas da sociedade civil, como a UFMG e as populações ribeirinhas. Embora exista apoio estatal, é principalmente da ação desses atores sociais não estatais que decorrem os resultados positivos principais do projeto, o que também reforça a grande relevância das atividades de extensão promovida pelas universidades.

 

O Brasil vem demonstrado sua preocupação em relação ao meio ambiente. É um tema que só tem se tornado mais relevante a cada dia que passa no âmbito jurídico. Em nosso país o Direito Ambiental é resultado de importantes fatores históricos, alguns anteriores a própria Independência. Há, portanto, uma longa trajetória a ser percorrida para que a democrática se instale definitivamente na sociedade brasileira. Mas projetos de intervenção social como este adquirem relevância não somente pela transformação social que são capazes de promover, incluindo e respeitando o discurso dos cidadãos, notadamente os mais simples, em sua execução, quanto pelo processo de sensibilização dos estudantes universitários que igualmente promovem, os quais têm nele a oportunidade de discutir algo além da “própria carreira” no mercado de trabalho (VIEIRA, 2008, p. 514).

(...)

 

A Gestão Participativa, sob a ótica governamental, consiste no diálogo entre Estado e entidades representativas da sociedade civil, tal como explica a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, que defina a função das organizações não governamentais, regidas pela lei estadual 14.870/2003, como sendo aqueles sujeitos que “podem ainda complementar o trabalho do Estado, realizando ações onde ele não consegue chegar, podendo receber ajuda financeira ou doações do mesmo, e também de entidades privadas, para tal fim” (Disponível em: https://www.semad.mg.gov.br/organizacoes-nao-governamentais. Acesso em 20 de setembro de 2010). Sob a ótica educacional, e esta pode ser muito bem desenvolvida nas academias jurídicas, engloba ainda, para além do processo de aplicação da legislação em prol das gerações futuras e da dignidade da vida humana hoje, a possibilidade de uma formação mais humana e consciente do bacharel em Direito – assim como de outras áreas – por envolvê-lo em atividades de extensão que promovem a participação política de cidadãos, demandando-lhe, também, o uso prático dos conteúdos assimilados na faculdade.

 

Outra vantagem da Gestão Participativa e, podemos dizer, a principal visada, é a sua função enquanto forma de reconhecimento dos cidadãos que fazem parte de projetos como o Manuelzão. Através da implementação de tais políticas públicas de iniciativa da sociedade civil, sob a égide do ordenamento jurídico, atende-se a necessidades básicas da população que são imediatas e pode-se, conjuntamente, planejar outras a médio e longo prazo. Assim, podemos concluir que a imersão do cidadão nessa nova realidade em que mecanismos de participação da vida política da sua polis atual não somente é uma decorrência da evolução da própria cidadania, como também do Estado e dos instrumentos jurídicos para efetivá-la, sem os quais, notadamente estes últimos, permaneceríamos em um modelo formalista de igualdade e de concessão de direitos. Projetos como o Manuelzão possibilitam a progressão do direito e da política, assim como das formas de educação universitária, também responsável em grande parte pela compreensão mais profunda do sentido da cidadania, seja pela sensibilização dos estudantes, seja pela intervenção social que pode promover.

 

 

(Excertos extraídos do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen)

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