Racionalidade midiática

25/11/2011 15:22

Pode-se, hoje, afirmar que um dos grandes desafios do diálogo entre Estado e sociedade civil, no momento, é a garantia de acesso aos instrumentos que, hoje, permitem uma nova forma de racionalidade e, consequentemente, de formação do discurso. Corre-se o risco, atualmente, com a inserção das novas tecnologias junto às funções exercidas pelo Estado, de que a população mais pobre seja excluída das tomadas de decisões e de outras formas participativas por ainda estar longe de ter amplo acesso a estes recursos, como a internet em casa ou móvel. É preciso jamais tomar como referência apenas os grandes centros, onde tais recursos são mais comuns, para não se perder a visão macro sobre o Brasil. Diversos brasileiros ainda têm dificuldade de compreensão desta nova linguagem pela qual se distribuem muitos dos serviços públicos atuais e, com isso, nas consultas públicas e na solicitação de serviços junto ao poder pública podem ser prejudicados se os meios materiais necessários à sua participação forem insuficientes ou inadequados para efetivá-la.

 

Nos dias atuais, portanto, já não basta a igualdade conforme a lei, ou aquela fornecida pela correção da desigualdade econômica. É preciso aperfeiçoar os canais midiáticos, estender até eles o princípio da isonomia. Seria incorreto chamar-se de democracia um regime no qual os vários segmentos se comunicam com o Estado, mas verticalmente, não obstante a autoridade pública estar on line. É o modelo do Welfare State, que estimula a criação de guetos pois cada qual está preocupado em como obter benefícios públicos particularmente. Logo, é preciso pensar o ser igual no século XXI como um processo de ampla inclusão da sociedade civil nas decisões políticas, por meio da interação justa entre os distintos grupos, ou tão somente se verá a revalidação do antigo “núcleo ideológico” liberal, agora com o aspecto hi-tech da era informacional.

 

A inovação tecnológica pode vir a representar, de acordo com a ideologia que lhe fundamente a expansão, uma mudança meramente formal ou instrumental no modo de participação dos indivíduos junto ao sistema coordenado pelos órgãos estatais, sem nenhuma percepção concreta de autonomia ou emancipação por parte daqueles. A criação de novos espaços de deliberação através dos meios comunicacionais hoje disponíveis pode não se refletir no incremento da democracia, em especial na América Latina, onde o acesso a computadores e à web é pouco difundido, se quisermos considerar os números necessários para a efetivação do acesso público. As campanhas brasileiras pelo ensino gratuito de novas tecnologias demonstram a distância ainda existente entre os diversos tipos de cidadãos que nossa sociedade possui.

 

Em países nos quais a democracia ainda está em construção, mais do que informatizar as repartições administrativas, será preciso garantir a integração das diferenças dentro da esfera de poder político. Os novos espaços públicos do mundo tecnológico teriam por vantagem sua capacidade de expandir a participação popular e de oferecer novas “formas críticas de comunicação”, difundindo culturas antes restritas aos microespaços, legitimados apenas internamente na maioria das vezes. Todavia, o seu reconhecimento externo, principalmente pelo Estado, enfrenta grandes obstáculos exatamente devido ao “núcleo ideológico” vigente, sem compromisso com a verdadeira integração política. Diversas discussões promovidas pelos sujeitos sociais, atualmente, usam de recursos eletrônicos para serem mais rapidamente conhecidas e conseguem articular indivíduos de realidades bem distintas e distantes, como o faz a organização não governamental Greenpeace.

 

O desafio, então, consiste em saber lidar com duas questões essenciais. Primeiramente, a igualdade é um princípio que comporta, hoje, um alto nível de diversidade. O cenário atual se caracteriza por ser um espaço plural e vivo, mas não necessariamente igual no sentido liberal. A inclusão democrática encontra obstáculos, por exemplo, na segmentação na sociedade informacional, que se divide conforme identidades setoriais, ou “tribos”, nem sempre representadas na divisão do poder estatal. Em segundo lugar, não obstante os recursos midiáticos existentes, ainda falta muito para que se possa ampliar o acesso à informação no Brasil.

 

O lema de nossa sociedade – um só mundo conectado – é tão irreal quanto o lema francês revolucionário de 1789 – liberdade, igualdade e fraternidade. O caráter instrumental das novas mídias e sua utilização ideológica ficam esquecidos ante as maravilhas desse mundo novo que, no caso recente por exemplo, os espaços virtuais representam, como as comunidade Orkut e Second Life. Desse modo, a sociedade atual se estrutura sobre o consumo de valores modernos, agora oferecidos por meio da web, do telefone, da TV. Uma imagem que compramos e pensamos viver. Contudo, resta-nos a dúvida se tanta tecnologia trouxe efetiva participação do cidadão junto ao Estado e, se o fez, em que grau de abertura.

 

Diversos recursos disponíveis são benefícios que privilegiam estratos de renda limitados e, normalmente, residentes no meio urbano. As periferias, o meio rural e todos os espaços públicos cuja estratificação tenha sido delineada pela desigualdade econômica ou cultural estão longe de alcançá-los. A pobreza ainda é um problema enfrentado de modo caritativo, sem medidas mais profundas que corrijam problemas como a precária autonomia da sociedade civil, o déficit educacional ou o baixo poder aquisitivo dos indivíduos para comprar equipamentos que lhes permitam o acesso tecnológico. Assim, a democracia digital se faz necessária para garantir o equilíbrio de poder ente cidadãos e Estado. 

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