Reflexos da exclusão étnica no ensino jurídico brasileiro

01/07/2010 14:43

Há poucas semanas foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial brasileiro. Entre críticas e elogios, esse documento contribui para que as reflexões. Que o Estatuto traz melhorias, isso é certo. A primeira delas é que se passará a refletir mais sobre o "racismo velado" que o Brasil tem. Esse preconceito é sentido, por exemplo, em entrevistas para acesso a algum cargo. Por terem critérios muito subjetivos, fica fácil encobrir discriminações em exames orais, por exemplo, de qualquer empresa ou órgão público. Uma mudança que poderá contribuir decorre da substituição da palavra "raça" por "ETNIA", o que significa evitar a racialização do discurso e de políticas públicas - tanto que a Constituição tipifica como crime a prática de atos que "racializem" a conduta social em prejuízo da dignidade humana de qualquer brasileiro ou estrangeiro que aqui esteja (art. 5º, XLII, CR/1988). Conforme justificou o relator, não há diferença de raças. É exatamente isso que se deseja combater. O conceito de etnia se refere ao termo grego "ethnos", que siginifica povo, o qual possui uma cultura, forma de se vestir, rituais e traços comuns. Ou seja, pode-se, sim, falar em povo negro, povo muçulmano, povo judeu, povo alemão, povo indígena, mas não em raça branca, raça amarela, raça aborígene ou raça negra, como se costumava fazer.
 
Quanto aos incentivos fiscais a empresas que contratassem negros e as cotas em partidos políticos e universidades, estes dispositivos foram retiradas da atual versão. Embora sua retirada tenha sido para que não se estimule uma disputa entre brancos e negros, o governo e os movimentos sociais reconhecem que outras medidas deverão ser adotadas para corrigir a discriminação real que acontece nesses espaços. Para percebê-la, basta observar o número de brasileiros negros em postos de destaque nos nesses lugares: Ministérios, bolsistas ou pesquisadores do CNPq, cursos de pós-graduação, Desembargadores(as), Promotores, Delegados federais, docentes em universidades e faculdades, governo dos estados da federação, protagonistas/apresentadores de programas televisivos, modelos (capas de revistas ou não), diretores de empresas, gerentes, etc.. Juíza há 25 anos, Luislinda Valois, primeira mulher negra a ser aprovada em concurso de provas e títulos para a magistratura nacional, declarou que já viu inúmeros colegas brancos com tempo de serviço bem inferior ao seu chegarem rapidamente ao cargo de desembargador, o que até agora lhe foi negado. Embora se diga não existir preconceito étnico ou racial no Brasil, quanto mais o acesso ao cargo depender de indicação ou entrevista, parece que mais a "boa aparência" pesa na decisão de se aceitar ou não um candidato negro (o governo chinês utiliza o mesmo critério - wuguan duanzheng - para distinguir chineses "mais belos e altos" daqueles menos bem apessoados, que não podem tomar posse em cargos públicos do Ministérios das Relações Exteriores, inclusive). Acho difícil acreditar que existam poucos profissionais preparados dessa etnia, como tantas vezes se disse para justificar o pouco número de negros em tais atividades.

Sobre o ensino jurídico, percebemos o aumento do número de alunos de modo geral nos últimos quinze anos. Mulheres, jovens trabalhadores, negros, indígenas (Mato Grosso, Tocantins, v.g.), portadores de necessidades especiais, pessoas mais velhas que somente agora podem estudar Direito. O perfil do alunado mudou muito após a Carta Constitucional de 1988 e a redemocratização. Isso é salutar, não obstante alguns aventem que houve a "proletarização" do ensino jurídico, como foi amplamente debatido durante a comemoração dos 180 anos dos cursos de Direito no Brasil (Congresso da ABEDi, Brasília, UnB, 2007), que criticou essa posição discriminatória em relação aos alunos de baixa renda. Devemos considerar um passo positivo medidas de inclusão social como FIES, PROUNI e outras iniciativas que foram tomadas pelas instituições como PUC Minas, USP, UnB, entre outras muito importantes, porque a exclusão no ensino jurídico, de pós-graduação inclusive, precisa ser refletida com mais vigor e vontade de "enxergar", de fato, os números reais que contradizem a suposta igualdade étnica brasileira.

O importante é que o Estatuto aprovado começa a mudança. Não podemos nos contentar com o que foi apresentado, mas devemos tê-lo como relevante ponto de partida para que diferenças étnicas (assim como religiosas ou políticas) não separem o povo brasileiro. Como docentes e discentes da área jurídica, nosso compromisso é grande. Devemos realmente pensar sobre o tipo de valores que representamos dentro das nossas IES, nos locais de militância jurídica, na vida cotidiana como cidadãos. É preciso que nas faculdades e universidades haja a mesma possibilidade de acesso a bolsas de pesquisa, a grupos do CNPq, a vagas de monitorias ou assessoramento de professores para alunos de Direito de toda origem geográfica, étnica, ou de distintas rendas. Precisamos ver rostos novos.

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