Wiki-sociedade

11/03/2012 07:24

Zygmunt Bauman ficou muito conhecido em nosso tempo por debater sobre o que este autor denomina de "tempos líquidos". Diante da fragilidade das relações sociais e da instabilidade das instituições, como pode o individuo se sentir seguro? O dinamismo de nossa época é também acompanhado por um forte processo de dromocracia, termo muito estudado nos últimos anos para designar esta nova "cultura da velocidade" que orienta nossas ações no dia a dia. Não basta fazer, deve-se ser o mais veloz. Assim, estamos construindo projetos de vida que não se solidificam como deveriam porque nosso modo de viver é permeado pela incerteza, como menciona Bauman. Se em nossos dias Durkheim pudesse, "dar uma olhada", ouso dizer que nem mesmo de orgânica ele chamaria o tipo de solidariedade social que mantemos. Os laços sociais já não sustentam verdadeiras relações. Pode-se ter mil "amigos" no Facebook, mas, nas palavras do estudioso brasileiro, Mário Cortella, conseguirmos a façanha de criar uma sociedade de pessoas incomunicáveis mesmo estando no auge do desenvolvimento dos meios de comunicação, notadamente pela internet.

Este é, então, um enorme desafio para nós que queremos construir um projeto de democracia que abrigue tamanha diversidade humana hoje reconhecida, ou em vias de reconhecimento, ao mesmo tempo em que conseguimos que nossos laços sociais e de autoridade sejam estáveis para termos uma base com solidez, não líquida, sobre a qual erigir novas normas para o Direito, novas relações sociais mais comprometidas e duradouras. Este é o desafio da nossa geração: sermos "wiki" (participativos, colaborativos, integrados) e também "sólidos" (com instituições estáveis). É claro que diante de tamanha complexidade, pode parecer mais interessante continuarmos a sustentar o modelo liberal-burguês de democracia, monista, centrado apenas na autoridade do Estado e, também, no qual "ordem e progresso" são diretamente associados ao controle democrático político feito por profissionais. Ora, somos ou deveríamos ser todos políticos em nossas vidas para termos, de verdade, a sociedade pretendida: aberta à igualdade enquanto o igual direito de ser diferente, de ser você mesmo.

Nesta wiki-sociedade, em que a verticalidade da relação entre Estado e Sociedade civil, quando excessiva, poderá ser contestada diante e com o recurso às próprias normas estabelecidas para assegurar a cidadania em nossos dias, a participação popular na tomada de decisões e na redefinição dos valores socialmente protegidos, via de consequência também juridicamente, é de primordial importância e inegavelmente uma realidade. A conquista do direito de participação e de opinião diversa é parte, recorrendo-se às ideias de Pierre Lévy, desta nova forma de construir a sociedade, de defini-la a partir de um conceito de árvore do conhecimento, processo de interação e aprendizagem com o outro (alteridade) por meio do qual nosso valores e modo de vivência comum são ressignificados e preenchidos conjuntamente. A participação de cada um tem o poder de manifestar a personalidade deste que atua como também de inseri-lo em um debate mais amplo no qual ele também recebe informações e se redefine. Somos o que juntos construimos, atualmente, mesmo que nem sempre o que intercambiamos entre nós seja algo de valor humano, como acontece por vezes, infelizmente.

Assim, quando se fala em elaboração do direito e de seu conteúdo, em nossos dias primordialmente, é inconcebível amparamo-nos no paradigma (modelo) anterior. Devemos ser gratos por ele ter sido criado, pois a sistematização e organização trazidos pela racionalidade moderna são inegáveis e o fator propulsor de termos alcançado hoje esta estado de discussão a respeito da Sociedade e do Estado. Mas é preciso lembrar que os positvistas que empreenderam tal transformação no século XIX buscaram o que havia de mais adequado e atual para  o tempo deles, não para o nosso. Portanto, insistir que as transformações plurais hoje exigidas e implementadas, à contra-gosto muitas vezes, não são "direito" é uma postura pouco crítica sobre nossa própria geração. Devemos, sim, perguntar a nós mesmos:

QUAIS SÃO O DIREITO E O ESTADO PARA O NOSSO TEMPO?

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