Daniel Torres Cerqueira

Daniel Torres Cerqueira


O Ensino Superior Brasileiro se comporta como um grande sistema integrado e articulado, onde uma política implementada em determinado setor gera efeitos, previstos e não previstos, em outros. Assim, por exemplo, a autorização para a ampliação do conceito dos chamados Cursos de Graduação Tecnológica, os conhecidos Cursos Técnicos, praticamente matou um modelo que se estava implantando no Brasil, dos chamados Cursos Seqüenciais. De mesma forma, a ampliação dos cursos tecnológicos, com a autorização dos cursos na área de gestão, diminui sensivelmente a demanda pelos cursos de Bacharelado em Administração no País. Por fim, o aumento das exigências para a autorização de cursos de Medicina em nosso país nas ultimas duas décadas, elevou sobremaneira a oferta de cursos de graduação em Enfermagem e Fisioterapia.

Esta mesma relação pode ser observada na integração entre a Graduação e a Pós-Graduação, com o agravante de que, por não se tratarem de mesmo nível de ensino, esses efeitos imprevistos nem sempre são analisados numa correlação de causa e efeito.

Peguemos a questão dos cursos de Direito no Brasil. Desde o segundo semestre de 2008, os instrumentos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação em Direito exigem, de maneira determinante, a titulação de Doutor em Direito (a expressão correta é “na mesma área”) e ainda, 60% de professores titulados, dos quais 30% devem ser doutores, num nível de exigência extra-legal (a Lei de Diretrizes e Bases da Educação exige para as UNIVERSIDADES 30% de professores titulados, entre mestres e doutores).

Não há o que se questionar, em tese, com tal exigência. Professores titulados denotam cursos melhores, melhor formação aos bacharelandos e aumento da qualidade geral no sistema. No entanto, além do aspecto legal questionável de tal medida, existem questões que merecem uma análise mais cuidadosa e criteriosa.

Senão vejamos: dados do próprio INEP informam que existem hoje em funcionamento no Brasil cerca de 1.100 cursos de Direito distribuídos em exatas 807 Instituições de Ensino Superior. Cada curso de Direito possui em média, digamos e numa estimativa absolutamente conservadora, 45 professores. Assim, temos algo em torno de 49.500 vagas de docentes nos cursos de Direito no País. Como muitos professores trabalham em mais de uma IES ao mesmo tempo, reduziremos esse total para 45.000 professores. Pois bem, para tenhamos 30% desse total com a titulação de Doutores no país, teríamos que ter 13.500 doutores atuando nos cursos de Direito (excluindo daí os coordenadores de cursos, que devem todos serem doutores).

Segundo a plataforma LATTES, do CNPQ, temos hoje um total de 3.683 Doutores atuando nos cursos de Direito. Em outras palavras, faltam ainda 9.817 doutores. Deve-se chamar a atenção, preliminarmente, de quem nem todos esses doutores podem formalmente, serem chamados de doutores, uma vez que muitos obtiveram a titulação em Universidades estrangeiras e ainda não conseguiram a validação no Brasil. E em alguns, em Universidades bem conhecidas da academia jurídica, somente conseguirão a validação por via judicial...

Para formarmos os 9.817 doutores em cinco anos (o tempo do bacharelado em Direito), teríamos que formar 1964 doutores por ano. Uma demanda enorme e que começa a tencionar o sistema de pós-graduação em Direito no país.

Em agosto de 2008 tínhamos no país, 21 programas de Doutorado em Direito, que ofertavam juntos 230 vagas. Naquele ritmo, levaríamos cerca de 42 anos para formar os mais de 9.500 doutores necessários. Isso se o sistema de graduação não se ampliasse e nenhum professor doutor morresse ou se aposentasse... Mas o mais interessante são os novos dados da CAPES, agora em Maio de 2010, ou seja, apenas um ano e meio depois, temos 28 programas de doutorado em Direito no país, num aumento real de 33,3%. As vagas, aumentando na mesma projeção, passaram de 230 para 305. Agora, o tempo para formamos os doutores necessários caíram para 32 anos.

No entanto, o aumento de 33%, ou seja um terço, em pouco mais de um ano é um aumento absurdo e que precisa ser acompanhado de perto. Em paralelo a isso, temos as Universidades Latino-Americanas, especialmente Argentina e Paraguai, que de olho nesse mercado crescente, estão formando turmas de 50 alunos para os seus programas de Doutorado, em turmas especialmente criadas para Brasileiros.

Em outras palavras, a busca pela qualificação da graduação em Direito pode estar resultando, objetivamente, na redução da qualidade dos programas de Mestrado e Doutorado em Direito, em virtude da pressão e da massificação que está a se exigir por conta do número de professores de direito no país.

 

 

(Disponível em: https://danielcerqueiracne.blogspot.com/2010/05/o-ensino-superior-como-sistema.html