Loussia Felix

Loussia Felix

Este trabalho pretende apresentar e discutir alguns dos fatores, processo e conseqüências das recentes e profundas mudanças que ocorreram com a formação do bacharel em Direito no Brasil a partir da emergência de dois atores coletivos no cenário da educação jurídica: a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil- CEJ/OAB e Comissão de Especialistas em Ensino de Direito da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto- CEED/SESu/MEC.

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Historicamente, os princípios que têm predominado na educação jurídica brasileira refletem traços culturais amplos e de origem bastante visível. A faculdade de direito, desde sua implantação, distingue-se como ponto de convergência de alguns temas sociais e da cultura brasileira. Instalados pouco depois da Independência, a criação dos cursos jurídicos no Brasil, os primeiros de nível superior, confunde-se com a formação do estado nacional. A elite dirigente do Primeiro Império procurou integrar as futuras instituições de ensino às instituições político-administrativas que então se organizavam, sob a mesma mentalidade que determinou a trajetória dos principais movimentos sociais que resultaram na autonomização política daquela sociedade: o individualismo político e o liberalismo econômico (Adorno 1988, 77). As faculdades desempenharam assim duas funções distintas. A primeira, menos perceptível e mais complexa, está inserida na produção cultural-ideológica, em que essas funcionaram como centros de sistematização teórica da emergente ideologia jurídico-política, o liberalismo, a quem se confiava a integração ideológica do estado moderno. A segunda, mais evidente, operacionalizou essa ideologia, formando os quadros de gestão do estado nacional. Por outro lado as faculdades de direito passaram desde a origem a atrair grande número de estudantes que jamais praticariam a profissão, mas que fariam do diploma de bacharel uma forma de acesso à estrutura burocrático-administrativa, à política, ou como meio de ascensão social, intervindo nesta escolha, do que Joaquim Falcão denomina de estudante-tipo, o acesso a um ensino generalista, que não exigia grande dedicação (Falcão 1984, 65).

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Pela adoção do método dogmático o Direito positivo foi tomado como um sistema fechado, que se basta a si mesmo, do qual podem se deduzir soluções para todos os casos sem que seja permitido utilizar-se de materiais alheios ao ordenamento jurídico positivo. A dogmática jurídica, valendo-se desse sistema de normas abstratas, genéricas e impessoais para tomar os conflitos de maneira exclusivamente formal, fragmenta-os, individualiza-os e trivializa-os para poder codificá-los por meio de decisões judiciais, e apresenta-se como o necessário contraponto na esfera legal da teoria liberal do poder político (Faria 1987, 30). Seria este o paradigma mais recorrente de nossas faculdades de Direito, acarretando ainda, conseqüentemente a inflexibilidade e imobilidade da estrutura d os cursos jurídicos, em nome da segurança da lei, impondo aos estudantes uma formação burocrática e acrítica, incapaz de perceber e atuar em novos pontos de conflitos e tensão social Foi desta maneira, que as escolas de direito foram limitadas a simples “escolas de legalidade”, em que se reproduziam “soluções” pré-elaboradas a partir de casos exemplares, mediante conceitos e categorias nascidos e consolidados no século XIX (Faria 1987, 46).

 

FELIX, LOUSSIA. "Novas Dimensões da Atuação Jurídica: O Papel de Advogados, Burocratas e Acadêmicos na Redefinição da Formação e das Funções dos Operadores Jurídicos".  

Disponível em: https://lasa.international.pitt.edu/LASA98/Felix.pdf